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Peça de Plínio Marcos ganha 2ª edição após quase 40 anos
Everaldo Fioravante
Do Diário do Grande ABC
04/12/2005 | 08:36
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“Não faço teatro para o povo, mas faço teatro em favor do povo. Faço teatro para incomodar os que estão sossegados. Só para isso faço teatro”. A frase é de Plínio Marcos (1935-1999) e se relaciona perfeitamente com A Navalha na Carne, peça dele também publicada em livro junto a fotografias de cenas em 1968, título que agora, passados quase 40 anos, ganha a 2ª edição (Azougue Editorial, 160 págs., formato 21cm x 18cm, capa dura, R$ 46 em média).

“Escreva um texto com emoção, e não frio e distante. Faça com emoção, pois ser jornalista é se emocionar também. Tem de se envolver. O Plínio nunca fez nada sem se envolver. Na época da ditadura militar, ninguém podia escrever nada. Agora pode, então aproveite”. O conselho foi dado pelo hoje consagrado escritor de títulos infanto-juvenis Pedro Bandeira, 63 anos, o mentor intelectual do livro A Navalha na Carne.

Difícil não se envolver com a história passada naquele “sórdido quarto de hotel de quinta”, local onde a prostituta Neusa Sueli (papel de Ruthineia de Morais), o cafetão Vado (Paulo Villaça) e o homossexual Veludo (Edgard Gurgel Aranha) ferem-se verbal e fisicamente, sem pausa, usando palavras e força tal qual navalhas.

O que Vado quer é o dinheiro que Neusa Sueli consegue se prostituindo. Por sua vez, Neusa Sueli quer que ele faça sexo com ela, quer atenção. Veludo entra na história por meio do roubo que faz do dinheiro deixado pela prostituta ao cafetão. Ele usa a grana para pagar a transa com o garoto do bar e comprar maconha. Em 1967, os atores Ruthineia, Villaça e Aranha (já mortos) ensaiavam A Navalha na Carne em São Paulo, sob direção de Jairo Arco e Flexa, quando a censura proibiu a apresentação.

Bandeira, amigo de Plínio, bolou um drible. “Na época, a censura era feroz contra os jornais, contra o cinema e, principalmente, contra o teatro, mas os livros ficavam mais ou menos fora da sanha controladora dos novos donos do poder”, conforme Bandeira escreveu no prefácio desta 2ª edição.

“Então... que tal fotografar a peça inteira, usando as artes gráficas, o tamanho do corpo e a forma dos tipos das letras para dar a ênfase necessária ao embate cruel dos protagonistas, uma prostituta, seu cafetão e um frágil homossexual?”, continua Bandeira no texto. Nasceu assim o livro – Walter Hüne foi o responsável pela parte gráfica e o fotógrafo Yoshida, pelas imagens. Essa 2ª edição é fac-similar e vem acrescida de textos de críticos da época sobre a peça.

O projeto gráfico do livro foi uma inovação naquele período. O que hoje seria fácil de fazer por meio de computador, nos anos 60 foi feito na “unha”, conforme Bandeira, por meio de fotocomposição. A harmonia obtida entre as fotos (em alto contraste) e os diálogos (com variação nos tamanhos das letras) dá no leitor a impressão de estar no teatro, vendo a peça.

‘Anomalias’ – Conforme documento oficial, os censores proibiram a encenação de A Navalha na Carne, entre outros motivos, porque “há uma profusão de seqüências obscenas, termos torpes, anomalias e morbidez explorados na peça (...), a qual é desprovida da mensagem construtiva, positiva, e de sanções a impulsos ilegítimos, o que a torna inadequada a platéia de qualquer nível etário”.

Segundo Bandeira, tanto ele quanto Plínio passaram os melhores anos de suas vidas sob censura: “Foi uma época triste, de ações imbecis. Não há censura inteligente”.

Mais ou menos na mesma época que saiu o livro, a peça A Navalha na Carne conseguiu se libertar da censura e foi encenada em São Paulo com o elenco original. No Rio, teve Tonia Carrero (a responsável pela liberação por parte da censura), Nelson Xavier e Emiliano Queirós, respectivamente nos papéis de Neusa Sueli, Vado e Veludo, com direção de Fauzi Arap.

Em 1968, o livro saiu com 5 mil exemplares, todos vendidos em duas semanas; hoje, sai com 1 mil. O título é uma celebração aos 70 anos que o dramaturgo completaria esse ano, em setembro.

A ditadura bem que tentou, mas não conseguiu calar a inteligência de Plínio; o atrapalhou e muito, pois era das obras que ele tirava o sustento. Para utilizar mais uma vez as palavras dele: “Fui perseguido pela censura, mas fiz por merecer”.



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