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Álcool: limites e conscientização
Wilson Marini
Para o Diário do Grande ABC
05/03/2015 | 07:00
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A tragédia que envolveu um universitário de 23 anos em Bauru acendeu debate oportuno sobre os limites no consumo de bebidas alcoólicas e o papel que se espera do governo, entidades e fabricantes. Em que estágio o álcool deixa de ser algo socialmente aceito, utilizado para descontração e diversão, e passa a oferecer riscos à saúde própria e a outros? O que pode ser feito para uma revisão da cultura que glorifica a bebida como um fim, e não como meio? No sábado, o estudante da Unesp e lutador de arte marciais Humberto Fonseca bebeu 25 doses de vodca e entrou em coma alcoólico. Os sistemas nervoso central e respiratório entraram em colapso devido à overdose. No domingo, foi enterrado em Passos, Minas Gerais, enquanto o seu perfil no Facebook exibia a frase “Melhor morrer de vodca do que de tédio”, atribuída ao poeta russo Vladimir Mayakovsky (1893-1930). Alguns colegas também passaram mal e foram internados. O Brasil inteiro passou a perguntar o que aconteceu, de quem é a culpa e o que pode e deve ser feito para que fatos como este não se repitam. A polícia vai apurar as responsabilidades na promoção da festa e se houve negligência no atendimento até a condução ao pronto-socorro. As autoridades farão a sua parte, mas não conseguirão aplacar a dor de parentes e amigos gerada por uma vida desfeita. Humberto, saudável, inteligente e cheio de vigor, poderia dar a sua contribuição ao País em alguns anos como engenheiro elétrico formado numa grande universidade pública paulista, mas foi interrompido no 4º ano do curso por uma brincadeira no mínimo estúpida em que se meteu – disputa para ver quem conseguiria ingerir o maior número de doses. O esforço institucional na investigação teve início com o clamor em paralelo por maior conscientização sobre os malefícios que o álcool, considerado droga lícita, pode ocasionar, se não houver autocontrole e ações de restrição desse tipo de festa, especialmente no meio universitário, e de todas as formas de abuso no consumo do álcool.

E os fabricantes?
A propaganda em geral enfatiza demasiadamente a bebida como objeto do desejo. O álcool, especialmente a cerveja, é alvo de culto e ator glorificado nas relações entre indivíduos. A estratégia de comunicação dos produtos poderia ser reposicionada de modo a focar o consumo de bebidas como componente integrante de confraternizações e reuniões saudáveis. Nessa linha, os fabricantes estariam se antecipando à pressão que certamente em algum momento será exercida pela sociedade junto ao Executivo, Legislativo e Judiciário, além de instituições como Ministério Público, OAB, educadores e entidades de apoio a alcoólatras e drogados, entre outras. A bebida faz parte do cotidiano de imensa parcela da população. É um produto legal, socialmente aceito. Mas diariamente há notícias de acidentes ocasionados pelo excesso de álcool e de brigas que às vezes culminam em assassinatos. Até quando? Reposicionar o produto é desafio e oportunidade ao setor produtivo.

Festas clandestinas
Em Bauru, antes mesmo da morte do rapaz, promotores do Ministério Público Estadual investigavam a organização de festas clandestinas no município. As apurações tiveram início a partir de denúncias sobre o grande número de festas realizadas na cidade sem o cumprimento das exigências legais. São eventos em geral sem estrutura para emergências, como manda a lei. Na festa em que o estudante morreu, havia cerca de 2.000 pessoas. Nas festas open bar, a pessoa paga apenas pela entrada e a bebida é servida à vontade, não havendo limite de doses por pessoa e muitas vezes não há horário para terminar. Além disso, não é oferecida refeição, o que eleva ainda mais o potencial de risco devido à momentânea “anorexia”.

Repercussão
A mídia nacional repercute o caso como mais um exemplo da falta de conscientização por parte dos jovens e de ausência de ações pelas autoridades e a sociedade. Andrea Ramal, colunista do G1, por exemplo, aborda o perigo de ver a bebida como “passaporte para aceitação social”, com regras que valorizam quem bebe mais e excluem os que não são “da turma”. A solução não passa, segundo ela, pela proibição às festas, mas pela educação. “Em primeiro lugar, papel da família, formando desde cedo para uma postura de autoconfiança, que não dependa do ato de transgredir, ou de atitudes autodestrutivas, para sentir-se aceito pelos outros”. Além disso, afirma, cabe às universidades colocar o tema na pauta e ação mais efetiva do governo, com campanhas mais contundentes voltadas à prevenção.  




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