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Freiras enfrentam resistência da família
Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
02/05/2010 | 07:11
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Nario Barbosa/DGABC


A principal barreira para as mulheres seguirem a vida de freira está dentro da própria casa. No primeiro momento, os pais e familiares rejeitam a ideia de perder a filha, ainda jovem, para as congregações ou institutos religiosos. Para os católicos, outro dado preocupante é a baixa procura de mulheres pela vida religiosa.

Levantamento feito pelo Diário nas oito casas de formação do Grande ABC mostra que 19 moças iniciaram a preparação para se tornarem freiras ou missionárias em 2010, sendo apenas uma moradora da região. As demais vêm de Minas Gerais, Alagoas, Brasília, interior de São Paulo, Moçambique, entre outros lugares.

"Quando minha filha falou que seria freira fiquei louca. Mas depois de um tempo entendi o significado e vi que era a vontade dela", conta a ajudante de cozinha Elenise Gomes, 39 anos, mãe de Valmira, 16.

A maioria das coordenadoras das casas de formação ouvidas pela reportagem repitiu o mesmo argumento para justificar a baixa procura: "Nas grandes cidades, as famílias não são envolvidas com a vida cristã."

Segundo a irmã Adriana Rubino, 73, da Congregação Pias Operárias de São José, em São Bernardo, a falta de novas mulheres também é um reflexo do mundo atual. "A formação é complexa e é preciso ter vocação para ser uma freira. Temos acompanhamento para confirmar que a garota quer mesmo seguir a vida religiosa e algumas desistem no meio do caminho."

A Congregação Filhas de São José, em Santo André, diferentemente dos anos anteriores, não recebeu nenhuma inscrição neste ano. "O dia a dia de uma religiosa é permeado por todos os desafios de uma mulher, acrescido dos deveres próprios da vida em comunidade: oração, trabalho, convivência", comenta irmã Geny Gobbo, da Filhas de São José.

Para o padre Valeriano dos Santos Costa, diretor do curso de Teologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica), a dificuldade para suprir os quadros e renová-los está relacionada ao aumento descontrolado de novas congregações. "Além das famílias estarem menores, novas congregações surgem com missões diferentes, mas depois acabam se voltando para o mesmo objetivo. Há uma preocupação (da igreja) com o excesso de congregações", diz o padre Valeriano.

Missionárias têm vida na fé sem abandonar profissão
As missionárias da Imaculada do Padre Kolbe, em São Bernardo, fazem os votos de pobreza, obediência e castidade, têm formação religiosa, mas seguem vida profissional sem qualquer vínculo com a Igreja. Elas podem trabalhar em empresas privadas, órgãos públicos e competem no mercado de trabalho como as demais mulheres.

Essas religiosas não usam hábitos ou véus. Evitam usar joias, mas fazem as unhas, sem pintá-las, e as sobrancelhas. "Afinal, somos mulheres e não precisamos sair por aí desarrumadas", disse a missionária Fabiana Andrade, 29 anos.

Para a alagoana Ariana Ferreira, 26, que está há um ano e dois meses no local, a sua vida não poderia estar melhor. Ela largou um emprego de cinco anos como secretária para se dedicar à vida religiosa. "Foi um vontade maior. É isso que eu quero para minha vida."

Daiane Sousa, 21, morava no bairro Santa Cruz, em São Bernardo. Ela está no terceiro ano entre as missionárias, pretende estudar nutrição para trabalhar e continuar vivendo com a sua nova família e visitar os seus pais e irmãos.

Idosas sofrem com problemas de saúde, mas não perdem a fé
Elas somam mais de 100 anos de vida como freiras. Ambas são italianas e escolheram a região para trabalhar em prol dos pobres.

As irmãs Adriana, 73 anos, e Alice, 81, são de comunidades diferentes. A primeira é coordenadora da Pias Operárias de São José, em São Bernardo, a segunda trabalha na secretaria das Filhas de SãoJosé, em Santo André. As duas têm problemas para se locomover.

A irmã Adriana tem dificuldade de andar por causa de uma lesão na perna, e para se comunicar devido ao sotaque ainda carregado pela língua natal. Mesmo assim, supervisiona diariamente o atendimento de cerca de 700 crianças e adolescentes de baixa renda do bairro do Alvarenga.

"É uma missão mesmo o nosso trabalho. Não temos folga e o lazer é a nossa atuação", comenta a carismática irmã Adriana.

A bengala fica ao lado da sua mesa de trabalho, mas é pouco utilizada. O problema na perna apenas a impediu de dirigir o carro da congregação.

A irmã Alice, 81, anda lentamente pelos corredores do convento da Congregação das Filhas de São José, em Santo André. Ela também tem um problema nas pernas, mas pela artrose nos joelhos.

Mas ainda trabalha na secretaria do local, que atende às freiras mais velhas e enfermas e abre o agradável espaço, nos fins de semana, para diversos encontros de comunidades católicas.

"Antigamente tinha uma vocação religiosa nas famílias. O trabalho mudou muito, mas o importante é que ainda existe a fé", conta a irmã Alice.

Avó queria que jovem fosse mãe de santo
Fé, devoção e entusiasmo. Tomada por esses sentimentos, Valmira Oliveira, 16 anos, deixou a sua casa no Jardim dos Lagos, em São Bernardo, no dia 7 de fevereiro. Antes de descer as escadas do imóvel simples - onde vivia com a mãe e os dois irmãos - para seguir a vida que escolheu, Valmira pensou muito, brigou com a sua família e namorou por três meses.

A partida foi em um domingo ensolarado. Vencendo a resistência da família, entrou na Kombi branca da Congregação Pias Operárias de São José, que a levou para o local onde passaria a viver.

A garota diz que decidiu ser freira aos 10 anos. "Foi difícil convencer a minha mãe. A minha avó queria que eu fosse mãe de santo. Mas graças a Deus entenderam a minha vocação", comenta.

Valmira fala com entusiasmo sobre a nova vida e os afazeres de freira. Além de não ver a hora de vestir o hábito branco e bege e ganhar o crucifixo.

"Durante o dia, estudo, faço aulas de bordados, ajudo na cozinha e, à noite, vou para a escola. Tem ainda os nossos horários para oração. É muito bom, quem pensa que ser freira é ficar presa em um convento está muito enganado", declara a adolescente.

O tio dela, Luciano Gomes, 30, ficou tão chateado que não conseguiu se despedir da sobrinha, mas depois de alguns dias entendeu a vontade da menina.

"Acho o máximo. O importante é que ela está feliz com a vida que escolheu. A gente sente a falta dela em certos momentos, já que sempre viveu perto", comenta o tio, emocionado.

A mãe de Valmira, a ajudante de cozinha Elenise Gomes, 39, ficou desconfiada no começo, com a história da mudança para o convento. Brigou, chorou e discutiu, mas atualmente fala orgulhosa para as amigas o rumo que a filha tomou. "É a vontade dela. Não tenho o direito de me intrometer. É um lugar sério e ela está muito bem", completa a mãe.

Mulheres levam, em média, 12 anos para tornarem-se religiosas
A formação de freira é longa. Elas levam, em média, 12 anos para fazer os votos perpétuos na congregação ou instituto escolhido.

As etapas são parecidas. A primeira fase é a orientação vocacional. Uma equipe é escolhida para acompanhar a moça - com no mínimo 16 anos - que pretende seguir a vida religiosa, por cerca de um ano.

Aprovadas, deixam o lar e passam a viver com as freiras ou missionárias, na fase que se chama aspirandato, por cerca de dois anos. Neste tempo, aprendem a doutrina da religião, escolhem uma profissão e continuam cursando a escola, normalmente estão no ensino médio.

No postulandato são destinados cerca de seis meses de formação, para depois seguirem para  noviciado, que leva mais dois anos.

Os primeiros doze meses são destinados para o direito canônico, e no ano seguinte começa a formação universitária em teologia, curso obrigatório para todas as pretendentes.

Passando esta etapa é feito o primeiro voto, que é conhecido como simples ou temporário. É neste período que as mulheres começam a usar o hábito e o véu.

Em média são necessários sete anos para fazer os votos perpétuos. Neste tempo, algumas moças começam a segunda universidade visando o mercado de trabalho. Os cursos mais escolhidos são pedagogia e psicologia. Mas também há freiras formadas em outras áreas.




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