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Insuperável Sinatra
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
21/05/2008 | 07:00
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Nada além do melhor. É o título do CD Nothing but the Best (Reprise Records, Warner Music Brasil, R$ 42 em média), com 22 canções de Frank Sinatra (1915-1998), A Voz ou Ol' Blue Eyes. São hits que traduzem o cantor, ou melhor, que o cantor transformou. São canções do tipo "não se faz como antes", com interpretação potente e aveludada, ao mesmo tempo quase operística e com fraseado moderno, sem mixagens ou backing vocals para disfarçar imperfeições. A Voz está de volta, dez anos depois de sua morte.

Sinatra procurou ser o melhor no que fazia e se cercar dos melhores que poderiam fazer por ele. Esse CD conta um pouco de sua história como produtor. Em 1960, deixou a gravadora Capitol - onde gravou seus hits da chamada ‘era dourada' - e tomou as rédeas de sua própria empresa, a Reprise Records. Senhor do que cantava e de como gravava, Sinatra também foi o primeiro top star a gritar por independência da indústria.

O CD compila o melhor desta fase, com o cantor amadurecido. São 21 canções e uma faixa bônus, Body and Soul, gravada em 1984 e inserida, em tom oportunista, pelo filho Frank. Jr (maestro do arranjo de Torrie Zito de 2007). Dispensável, pois soa algo do tipo pai constrói, filho destrói.

Nas demais, boas escolhas, embora o best do título pode ser pinçado em algumas. Três são parcerias de Sinatra com Count Basie.

Sinatra esperou muito por essa parceria. Imagine um encontro entre Beethoven e a Filarmônica de Nova York hoje para entender. Com Basie e orquestra, Sinatra gravou Fly me to the Moon, The Good Life e The Best is Yet to Come; com Antonio Carlos Jobim gravou The Girl From Ipanema, versão da nossa famosa garota; de Glenn Miller, Moonlight Serenade, e, claro, com o perdão de Liza Minelli que a gravou para o filme de 1977, mas New York, New York não seria a mesma sem A Voz. E outras com arranjos de Nelson Riddle, que renovou a conversação musical de Sinatra com o público.

Clássicos ausentes: For Once in My Life, The Lady is a Tramp e I've Got You Under My Skin, exemplos que tornam o título uma tradução menos "nada além" do que pretende ser.

Mas Sinatra tornou-se algo maior que a vida. Além do CD, um selo comemorativo lançado em 12 de dezembro do ano passado, data de seu aniversário, lembra os dez anos sem ele.

Há também um livro Remembering Sinatra - 10 Years Later (Life/Grand Central), relançamento com fotos inéditas de John Dominis, que acompanhou nos anos 1950 e 1960 Sinatra e seus amigos do grupo apelidado Rat Pack (o cantor mais Dean Martin, Sammy Davis Jr e Peter Lawford).

Está no livro o famoso perfil escrito por Gay Talese, Frank Sinatra has a Cold (Sinatra está resfriado), em que o jornalista, que não pôde falar com o cantor que cancelou seu show em função da gripe, para não perder a pauta procurou pessoas próximas a ele para traçar seu perfil. O prefácio é de Tony Benett, cantor eternamente lembrado como o sucessor de A Voz, mas sem comparações.

A biografia de Sinatra caberia na cabeceira de muito artista. Não porque ele fosse exemplo, ninguém é perfeito, mas pelo que ele representa para a arte, da canção e da interpretação. Sinatra largou os estudos no último ano do colégio em Hoboken e tentar a sorte na música, sem ter feito curso ou preparo.

Emplacou o primeiro sucesso em 1942, Night and Day, de Cole Porter. Daí em diante seria intérprete das melhores canções norte-americanas do século 20, gravando Porter, George Gershwin, Irving Berlin, Richard Rogers, Van Hausen e bossa nova também. Se imaginou que seria "top of the hit" ou "king of the Hill" ao olhar Manhattan vista de New Jersey, não disse, mas que ele, filho de imigrantes italianos e vizinho de mafiosos, tinha amizade com Sam Giancana, chefão de Chicago, não é segredo. Como essa amizade pode ter influenciado na eleição de John Kennedy em 1960 é uma das histórias ainda não provadas.

Sinatra entrou para o cinema há 60 anos em Marujos do Amor (1948), contracenando com Gene Kelly. Venceu um Oscar pelo filme A Um Passo da Eternidade (1953), como ator coadjuvante. Não que não merecesse, mas ganhar um prêmio principal na estréia no cinema, quando era um jovem cantor que começava na carreira...parecia um pouco demais.

MÁFIA E MULHERES
E os rumores alimentavam a lenda que as relações de Sinatra - lealdade a amigos e família é tudo para um italiano - com a máfia o levaram a Hollywood. Isso foi insinuado no filme O Poderoso Chefão, onde um cantor de origem italiana apadrinhado por Dom Corleone ganha um papel em Hollywood.

Com padrinho ou não, Sinatra fez sua própria história, do seu jeito, como um artista completo. Atuou em outros filmes e não fez feio. Ia do drama a comédia e merecia outro Oscar por O Homem do Braço de Ouro. E o personagem Danny Ocean (que as gerações modernas associam a George Clooney em 11 Homens e um Segredo e quetais) foi primeiro de Sinatra. Na música, levou dez Grammy, o primeiro vencido há 50 anos.

A vida amorosa de Sinatra também deu o que falar, principalmente seu casamento com Ava Gardner, diva morena do cinema. Durante o casamento ela tentou o suicídio uma vez, e teria sido por causa dele. Nancy Barbato, a atriz Mia Farrow e a socialite Bárbara Marx foram suas outras mulheres.

BEIJOQUEIRO
E há o episódio brasileiro da vida de Sinatra. Em 1980, o cantor veio ao Brasil para um show no Maracanã. Público recorde, mais de 170 mil para ouvi-lo cantar seus maiores hits, ajudado pela platéia em Strangers in the Night e que mal conseguiu terminar My Way quando o folclórico Beijoqueiro, um português radicado no Rio que vivia de invadir eventos e beijar celebridades, driblou a segurança no gramado, subiu ao palco e tascou um beijo no cantor, que ficou desconcertado e sem entender o que era aquele jeito brasileiro de ser.

Sinatra abandonou os palcos em 1995. Morreu de ataque cardíaco aos 82 anos em 14 de maio de 1998. Em sua lápide está inscrito The Best is Yet To Come (o melhor ainda está por vir). Pretensão ou não, Sinatra, mesmo com altos e baixos, merece o tributo. Quem poderia se comparar a ele? Tony Benett está na cola, George Clooney não canta. Harry Connick Jr. canta e atua, mas quem é ele? E Justin Timberlake, que além de cantar e atuar, dança também, e se mete a produtor e tem apenas 27 anos? Mas como produto da indústria do entretenimento, não deve durar muito. O epitáfio continua sólido.




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