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Nem arroz com feijão ou o dinheiro matam a fome do assassino que puxa o gatilho...

Rodolfo de Souza
Do Diário do Grande ABC
08/07/2013 | 07:00
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Nem arroz com feijão ou o dinheiro matam a fome do assassino que puxa o gatilho com todo o prazer a ele concedido pelo espírito perverso. Desfruta, pois, do sangue alheio, e faz do medo e da desgraça que proporciona ao outro seu prato predileto. Assim, não há como ficar inteiramente satisfeito quando não tem que disparar um único tiro ao tomar posse do produto roubado. Momento de equilíbrio em que a vítima lhe entrega a mercadoria, sem reação. Claro que, às vezes, mata só para quebrar o tédio, ou ainda para não perder tempo com conversa fiada. É eterno este conflito na cabeça do mortal comum, que está do outro lado do cano, e não entende a mente sem noção que desconhece o significado da palavra humanidade, ou qualquer significado.

Quem jamais fez uso de uma arma não atina para a necessidade daquele que as escrituras chamam de seu semelhante. Compreender uma coisa e outra é complicado para alguém que nunca tomou na mão máquina com tamanho poder, fabricada com capricho só para abreviar a vida humana. Americano da gema, aquele nascido nos Estados Unidos, aprecia abobalhado o seu brilho, como se fosse alguma divindade ou astro do seu rico cinema. Remanescência do velho oeste? Lembro-me até de ter visto um filme em que o ator, protagonista ou coadjuvante, sei lá, trazia numa carroça ou caminhão, também não me recordo, a inscrição: “Armas não matam homens. Homens matam homens”. Descarada declaração de amor pela coisa, a despeito do fundo de verdade um tanto evidente na frase. E isso tudo é de fato parte da cultura daquela gente, assim como também a lágrima que verte poderosa quando alguém, metido a besta, resolve dar cabo de quem sequer chegou a alcançar idade para discernir se nutre simpatia ou aversão pelo instrumento de morte.

Mas povo é povo em qualquer lugar, e um de seus vários calcanhares de Aquiles é justamente esse apego pelo berro. Ouvi, certa vez, comentário de um sujeito sobre a sensação de poder que se experimenta quando de posse de um objeto desses. Ouvi sem deixar-me convencer pelo pensamento que vagueia no cérebro vazio. Órgão, diga-se de passagem, inútil para quem se rende ao fascínio de um revólver ou da dor que dele provém. Dor em todas as suas nuances.

O garoto boliviano, líder de audiência nas redes, é possível que não desejasse tanta fama, mas foi alvejado na cabeça porque implorava pela vida. Se mostrasse indiferença, talvez não tivesse despertado o ímpeto do bandido. Entretanto, por ser criança, pensou que pudesse resolver tudo com o choro, inclusive a peleja com o marginal. Assim, acabou por transformar-se em mais um número para engordar as estatísticas que de nada servem, a não ser para dar uma ideia da dimensão da tristeza e sua mania de deixar olhos marejados. Chora-se em português, chora-se em espanhol. Chora-se.

Ainda assim, alguém saiu feliz na história. O assassino que levou alguns cobres e principalmente deleitou-se com o sofrimento impingido ao semelhante, sentiu-se ao final gratificado, sobretudo por ter conseguido, lá no seu meio, respeito e prestígio conferidos pela crueldade.

Mas não se preocupe, amigo leitor, o tempo e outros dramas tomarão o lugar deste na lembrança das pessoas, e o homem seguirá o seu caminho, produzindo mais armas somente para se defender do homem, que lhe constitui perene ameaça. Até porque, como dizia o filósofo, o inferno são os outros.

Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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