Setecidades Titulo História de vida
Mãe de Brenda agora
espera outro milagre

Geissa Maria da Silva conseguiu encontrar filha após 15 dias
desaparecida, mas não sabe até quando terá casa para morar

Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
03/07/2012 | 07:00
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Geissa Maria da Silva, 30 anos. Não tem documentos, estudo, casa. Por duas semanas, a vida tirou-lhe até mesmo a filha Brenda Gabriela, 4, levada do templo da igreja Deus é Amor, na Capital, no dia 10 de junho. Por milagre, Brenda voltou para a mãe depois de passar 15 dias desaparecida. Mas não sabe se terá casa no mês que vem. Mãe e cinco filhos esperam agora por outro milagre para seguir em frente.

Geissa mora em um quartinho de cortiço na Rua da Mooca, tradicional bairro paulistano. Gente de todo tipo vive ali, inclusive do tipo que rouba as roupas do varal. Por isso, ela pendura as peças coloridas em cordas no teto de madeira, formando um estranho mosaico nos dois cômodos que divide com os filhos, com idades entre 14 anos e 9 meses.

A vida da mãe de Brenda começou difícil. Nasceu em Imperatriz do Maranhão e, aos 7 anos, trabalhava na roça e como babá. Não teve tempo de aprender a escrever o nome, e não tem documentos que provem se ele é escrito com dois ‘s' ou com ‘z'. "Pode escrever como você achar melhor."

Aos 18 anos, Geissa veio para São Paulo com o marido, a filha Jéssica, hoje com 14 anos, e Vanessa, de 11, ainda na barriga. A caçula não tinha 1 ano quando o pai reagiu a um assalto e foi morto. "A gente morava em uma casinha alugada no Brás. Tinha tudo, sabe? Rádio, televisão, cama, guarda-roupa. Era muito feliz. Quando meu marido morreu, fui vendendo as coisas para sustentar meus filhos."

Sem conhecer as letras, Geissa teve poucas oportunidades de emprego. Viveu em uma invasão na Bela Vista antes de se instalar no cortiço da Mooca, onde está há cinco anos. Pagou R$ 5.000 pelo direito de viver em um lugar que já pegou fogo, é cheio de infiltrações e por onde baratas andam livremente por cima das roupas das crianças. Mas não sabe se vai permanecer ali. "Estão querendo tirar a gente nas próximas semanas. Mas coloco na mão de Deus, sabe? Se ele me devolveu a Brenda, vai me dar um teto para morar."

Com vestido rosa de princesa, a menina sorri. E desenha.

DESAPARECIMENTO

Brenda desapareceu no dia 10 de junho. Ela, a mãe, o irmão Lucas, 8, e o pequeno Gabriel, 9 meses, foram ao templo da igreja Deus é Amor a pé. Geissa queria colocar o nome da família nos pedidos de oração.

Brenda usava um vestidinho cor de vinho com laço, sandálias Havaianas e presilha no cabelo. "Era comprido, encaracolado, lindo o cabelo dela. Pena que ele cortou."

A polícia suspeita que ele seja o carroceiro Jorge Antunes Cardoso, ainda não localizado. Brenda disse à mãe que o homem colocou a mão sobre sua boca e nariz e a arrastou para fora do templo enquanto Geissa pedia a uma obreira que escrevesse a oração. "Por isso que ela não gritou, né? Ele levou minha menina direto para o elevador. Quando percebi, ela tinha sumido."

Eram 16h de domingo. A partir daí, a mãe contaria o tempo pelo dia da semana.

DE VOLTA PARA CASA

Passaram-se três domingos e um dia de lágrimas e desespero antes de receber a ligação tão esperada da polícia, no dia 25. Acharam a menina. A felicidade bateu à porta de Geissa.

Brenda ainda tem pesadelos com o homem que a manteve na carroça de recicláveis, segundo seu relato, até lhe cortar o cabelo. "Ele falava que a Brenda era menino. Ela disse que tinha fome e sede. E que ele dava cascudos nela. Deus protegeu minha filha e ele não fez nada de errado com ela." Laudo preliminar atestou que Brenda não teria sofrido abuso no período em que ficou desaparecida.

Com a alegria de ter a filha de volta, Geissa sonha agora em ter oportunidade. "Quero trabalhar. Meu menino está desmamando agora, ele pode ficar com alguém. Se eu trabalhar, posso dar uma vida melhor para as minhas crianças."

Enquanto isso, ela espera. Ouve músicas evangélicas, vai à igreja, ora. É o que sabe e pode fazer. "Deus há de dar um jeito." E a vida segue.

Famílias ainda aguardam 24h para comunicar sumiço 

Apenas 15% dos casos de crianças e adolescentes desaparecidos em São Bernardo são registrados imediatamente. A maioria das famílias (42%) ainda espera 24 horas para fazer a ocorrência, mesmo depois da Lei 11.259/2005, que prevê o pronto início das investigações. Os dados constam de levantamento da Fundação Criança.

O estudo analisou 1.086 boletins de ocorrência registrados entre 2006 e 2012, com objetivo de identificar o perfil dos desaparecidos no município. O documento foi apresentado no 2º Seminário de Enfrentamento à Situação de Desaparecimento de Crianças e Adolescentes de São Bernardo.

Na região, ao menos duas crianças e adolescentes desaparecem por dia, em média, conforme os registros policiais. A filha da dona de casa Telma Araújo Alves, 48 anos, faz parte dessa triste estatística há nove anos. Quando tinha 11, Viviane Araújo Alves saiu para ir à padaria, como fazia todas as tardes. Nunca mais voltou. "Sabemos que ela chegou a comprar o pão. Alguma coisa aconteceu no meio do caminho."

A mãe, que nunca teve problemas de coração, desenvolveu hipertensão e sofreu três infartos. "O nervosismo me deixou assim. O desaparecimento dela mudou tudo na minha vida, mas ainda tenho esperanças de encontrá-la. No meu coração, minha filha não está morta."

Viviane foi uma das primeiras crianças a ter o envelhecimento digital divulgado na região. A foto feita por computador simula os traços atuais da menina, hoje com quase 19 anos.

Os retratos atualizados dos filhos do desempregado Janderson Barbosa Costa, 32, também estão disponíveis. Endrew tinha 5 e Tamires 4 anos quando desapareceram da casa da avó. Eles foram levados pela mãe, que não vivia mais com o companheiro. "Ela estava sumida e resolveu aparecer quando fiz uma viagem à trabalho. Minha mãe acabou deixando ela entrar, porque minha ex-mulher e uma amiga estavam morando perto de casa."

Elas levaram as crianças no shopping e, desde então, não voltaram. Mudaram de casa e desapareceram sem deixar pistas. Oito anos depois, Janderson ainda luta para achar os filhos. "Minha mãe se sente culpada. Ela acha que se não tivesse deixado minha ex entrar, as crianças ainda estariam aqui. É uma situação muito difícil para toda a família."

Para o presidente da Fundação Criança e vice- presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, Ariel de Castro Alves, um cadastro nacional eficiente poderia ajudar a resolver os casos mais rapidamente. "Falta integração dos governos, por meio de seus órgãos de segurança pública e sociais. É inexplicável que tenhamos cadastros de imóveis, veículos, telefonia, mas não de pessoas desaparecidas."




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