A você, caro leitor, que viu Serra cantando ‘Lig Lé', que viu Dilma dando passos de ‘rebolation', que acha que não se surpreende com mais nada, prepare-se: haverá novidades. Dilma regando uma samambaia e conversando com ela, por exemplo; ou Serra prometendo lançar genéricos de remédios naturais da tradição indígena e participando de uma pajelança, com cocar cobrindo a careca. De agora em diante, vale tudo para conquistar a verde Marina e seus 19% de votos.

Os mais orgânicos caciques dos dois candidatos foram escalados para conseguir de Marina uma declaração de voto. Dilma escalou os irmãos Tião e Jorge Viana, companheiros de Marina no Acre por 30 anos, e Tarso Genro, que foi companheiro da ex-ministra quando, antes de verde, era vermelha (militavam no Partido Revolucionário Comunista). Por Serra, os negociadores são Eduardo Jorge (que, como Marina, foi do PT para o PV; é secretário de Meio Ambiente da Prefeitura paulistana, nomeado por Serra) e Fernando Henrique (a quem ela se refere elogiosamente). Fernando Gabeira (ex-petista, ex-aliado de Lula, candidato verde ao Governo fluminense), já declarou apoio a Serra; Fábio Feldmann, ex-tucano, candidato verde ao governo paulista, deve apoiá-lo também.

E Marina? Marina ainda não deu pistas de qual será seu caminho - apenas que deverá demorar umas duas semanas para definir-se. Um palpite (apenas palpite: não há informação para confirmá-lo): neutralidade. O eleitor não tem dono, cada um que escolha seu candidato, ela também terá o seu, mas sem dizer quem é.

OS NÚMEROS EM JOGO
Se tudo continuar igual (brancos, nulos, abstenções) e 80% dos eleitores de Marina votarem em Serra, ele ganha a eleição. Nas mesmas condições, se 25% dos eleitores de Marina votarem em Dilma, ela será a vitoriosa. Dilma continua franca favorita. O problema é que os 33,6 milhões de brancos, nulos e abstenções podem mudar qualquer resultado, se se moverem (o que é pouco provável). Outra vantagem de Dilma: as eleições serão no início de feriadão, e quem costuma viajar são classes sociais que votam em Serra.

LEMBRANÇA
Depois de vários embates com Dilma, Marina acabou sendo demitida do Governo Lula. Comentário de Dilma, na ocasião: "É preciso deixar claro que a ex-ministra não representa o projeto do presidente Lula."

COINCIDÊNCIA
Este colunista não é supersticioso, mas muita gente é. O 31 de Outubro, dia do segundo turno, é o Halloween. No Hemisfério Norte, o Dia das Bruxas.

MUDANDO
É provável a mudança formal em alguns pontos do programa de Dilma para facilitar trânsito entre religiosos mais ortodoxos. Mesmo em vantagem, o PT está preocupado com as questões do aborto (Dilma defendeu que deixe de ser crime) e das relações da candidata com a religião. Dilma já disse que não acreditava em Deus ("eu me equilibro", era sua frase), depois passou a acreditar, agora cita Deus a cada frase; mas ficou vulnerável à notícia, provavelmente falsa, segundo a qual nem Cristo conseguiria impedir sua vitória no primeiro turno.

MUDANDO O QUÊ?
A cúpula do PT sustenta que a a questão do aborto foi colocada no PT pela ala feminista do partido e que a descriminação não é defendida pela presidenciável Dilma Rousseff. Só que:

1 - neste caso, não haveria o que mudar, nem o que discutir, e o partido está exatamente discutindo a mudança;

2 - a candidata do PT defendeu esta posição em entrevista à Folha de S.Paulo e à revista Marie Claire. O problema, então, deixa de ser a posição da candidata diante de um tema específico, mas a disposição de mudar sua verdade conforme o público. Aquilo que analistas mais grosseiros chamariam de capacidade de mentir.