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Trabalhadores se mobilizam para chamar atenção da Ford contra fechamento

Cerca de 80 funcionários impediam a entrada de colaboradores na unidade nesta manhã

Por Soraia Abreu Pedrozo
Yara Ferraz
20/02/2019 | 07:19
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Nario Barbosa/DGABC


Atualizada às 8h12

Menos de 24h depois do anúncio da Ford sobre o fechamento da planta de São Bernardo, cerca de 80 funcionários do chão de fábrica se reuniram desde as 5h30 desta quarta-feira (20) em frente à Portaria 18 da unidade da região. Eles estão mobilizados para chamar atenção da montadora e impedir a entrada de colaboradores. A intenção é permanecer no local até o final do dia.

“Queremos tentar forçar a fábrica a reverte a decisão que ela tomou ontem de fechar a planta de São Bernardo, que tem, entre horista, mensalista e executivo, 3.000 trabalhadores e mais cerca de 1.200 prestadores de serviço. Então estamos falando de mais de 4.000 pessoas que estão perdendo o emprego. A gente está mobilizado hoje para colocar na cabeça da fábrica que ainda tem espaço para achar uma saída que não seja o fechamento. A região vai sentir muito. Temos um bom salário, uma boa PLR (Participação de Lucros e Resultados), então colocamos na cidade muito dinheiro”, disse José Quixabeira de Anchieta, o Paraíba, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e coordenador geral do CSE (Comitê Sindical de Empresa). Veja vídeo abaixo.

O orientação do sindicato é para que os trabalhadores permaneçam em casa até terça-feira (26), quando será realizada uma assembleia para definir os próximos passos da categoria.

Anúncio - Depois de 51 anos em São Bernardo, a Ford anunciou ontem que irá encerrar a produção de veículos na cidade ainda em 2019. A planta da região fabrica caminhões das linhas Cargo, F-4000 e F-350, além do New Fiesta e, segundo a montadora, os modelos deixarão de ser comercializados assim que terminarem os estoques. O motivo apontado para o fim das operações na cidade, no ano em que a Ford celebra 100 anos no Brasil, é a decisão global de reestruturação que deixará de atuar no segmento de caminhões na América do Sul.

A montadora emprega hoje em São Bernardo 2.800 funcionários, sendo que 2.000 deles atuam no chão de fábrica – em 1990, para se ter ideia, a planta tinha 10,6 mil empregados. No entanto, a Ford avisou que nem todos deverão ser impactados, uma vez que a marca pretende manter a sede brasileira na cidade, e funcionários dos setores administrativo e manufatura continuariam na empresa.

Conforme cálculos do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC realizados a pedido do Diário, com o fim da produção na região e a demissão dos 2.000 operários da confecção, o emprego de 24,5 mil profissionais estaria em risco no País. Ele considera todos os envolvidos na cadeia automotiva, desde a confecção de peças até a venda nas concessionárias, incluindo terceirizados, cujos diretos somam 1.400. “Não podemos aceitar isso. Vamos utilizar toda a nossa capacidade de reação junto aos governos municipal, estadual e federal”, disse o presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão.

Embora não tenha cravado data para o fim das operações, os trabalhadores foram informados de que eles continuam na fábrica até novembro, quando vence o acordo coletivo da categoria selado em 2017, que prevê estabilidade dos empregos.

A notícia pegou todos os envolvidos de surpresa, uma vez que estava marcada para ontem, às 14h, reunião entre diretoria e sindicato para discutir a possibilidade de trazer mais um modelo de carro para o Grande ABC. No entanto, conforme relatou Wagnão, eles foram notificados sobre o encerramento da produção. “Nos disseram que em 40 minutos iriam emitir comunicado à imprensa, e que a decisão era definitiva. Então interrompemos a reunião para pedir que a comissão de fábrica avisasse os trabalhadores, antes que eles soubessem por outros meios. E, na sequência, já os dispensamos, pois ninguém teria condições de trabalhar depois de uma notícia dessas. A orientação é que eles fiquem em casa até terça-feira, quando, às 7h, faremos assembleia para definir novos encaminhamentos”, contou. Hoje, a partir das 5h30, os profissionais se mobilizariam em frente à fábrica para impedir a entrada dos que pensarem em furar a greve.

O sindicalista lembrou que, desde o segundo semestre de 2017, assim que foi noticiada a falta de interesse da Ford no negócio de caminhões, sinal de alerta foi aceso. “Procuramos a empresa e produzimos acordo, à época, para que houvesse garantias. Nos foi prometida conversa sobre investimentos na planta e o futuro da unidade, mas a Ford estava apática e não demonstrava interesse em falar”, afirmou. Desde 22 de janeiro, quando foi cobrada da direção da empresa a retomada das discussões, não houve contato, então o sindicato começou a realizar assembleias internas, com cada uma das áreas, e pequenas paradas diárias.

Em dezembro, o Diário questionou o vice-presidente de assuntos corporativos da Ford, Rogelio Golfarb, sobre o futuro da unidade em São Bernardo, e da possibilidade de mais um modelo de carro ser produzido na região. Ele então afirmou que a montadora estava em processo de definir plano para a fábrica. “Estamos trabalhando nisso, em procurar alternativas para que os produtos tenham mais competitividade. Estamos em processo de trabalhar por boas notícias, e o sindicato sabe disso.”

OFICIAL - Em comunicado emitido ontem, o presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, disse: “Sabemos que essa decisão terá impacto significativo sobre os nossos funcionários de São Bernardo e, por isso, trabalharemos com todos os nossos parceiros nos próximos passos. Atuando em conjunto com concessionários e fornecedores, a Ford manterá o apoio integral aos consumidores no que se refere a garantias, peças e assistência técnica”.

Essa decisão inclui, segundo Watters, redução em mais de 20% dos custos referentes ao quadro de funcionários e à estrutura administrativa na região; fortalecimento da linha de produtos, com ênfase em SUVs e picapes; expansão das parcerias globais, como recente aliança com a Volkswagen (anunciada em 15 de janeiro) para desenvolver picapes de médio porte.

Em decorrência desse anúncio, a Ford prevê impacto de US$ 460 milhões (R$ 1,7 bilhão, com o dólar a R$ 3,70) em despesas não recorrentes. Cerca de US$ 100 milhões (R$ 370 milhões) serão relacionados à depreciação acelerada e à amortização de ativos fixos. Os valores remanescentes de US$ 360 milhões (R$ 1,3 bilhão) impactarão diretamente o caixa e estão, em sua maioria, relacionados a compensações de funcionários, concessionários e fornecedores.

A Ford mantém suas fábricas em Camaçari (Bahia), Taubaté e o campo de provas em Tatuí (ambas no Interior).


Comércio perderá até 80% do movimento

Além dos próprios trabalhadores, os comerciantes do entorno da fábrica da Ford, localizada no bairro Taboão, em São Bernardo, também serão diretamente impactados com o fechamento da planta. A expectativa é a de que, quando a ação se concretizar, a perda seja de até 80%.

Caso de Maria José da Silva, 45 anos, que mantém trailer onde vende salgados, bolos e sucos em frente à portaria de entrada dos funcionários, localizada na Rua Fernão Dias Paes Leme, há 15 anos. “Eu não tenho como continuar se a Ford fechar as portas. Acho que 80% dos meus clientes são funcionários de lá, se não mais”, afirmou.

Segundo ela, o cenário no fim da tarde de ontem, após o expediente, que foi encerrado mais cedo, às 14h30 (leia mais abaixo), foi de tristeza. “Muitas pessoas saíram chorando e, outras, ficaram muito revoltadas. Nós só ficamos sabendo assim que eles saíram. Foi tudo de uma hora para outra”, relatou Maria José.

O proprietário da padaria Paris House, situada na Avenida Taboão, Sandro Santos, 45, adquiriu o ponto em setembro do ano passado. Desde então, ele afirmou que havia boatos sobre um possível fechamento. “O pessoal comentava bastante, mas nunca teve nenhuma confirmação oficial”, destacou ele, que ficou sabendo da notícia do encerramento das atividades pela equipe de reportagem do Diário.

Santos afirmou que os funcionários representam de 40% a 50% do total dos clientes da padaria. “A maioria do pessoal que vem aqui no café da manhã e no almoço é da Ford. Vamos ter muitas perdas, porque também temos que contabilizar as famílias de funcionários que moram no bairro, consomem aqui e vão deixar de fazer isso”, disse.

A comerciante Leni Oliveira, 51, dona do restaurante Saborea, localizado nas imediações há 15 anos, também vai sofrer queda na movimentação do estabelecimento. “Do total de clientes, acho que 30% sejam funcionários da Ford. Porém, quando eu cheguei aqui era bem maior. Acho que em 2014, a empresa tinha uns 8.000 funcionários.”

Segundo ela, por conta do enxugamento na montadora, o empreendimento começou a diversificar nos últimos anos. “A nossa sorte é que eu comecei a vender e entregar marmitex, porque não dava só para depender do pessoal da empresa. A sorte também é que a Mercedes-Benz (montadora também situada nas imediações) está bem das pernas e muita gente de lá vem aqui.”


Trabalhadores são pegos de surpresa

Ontem, trabalhadores da Ford foram pegos de surpresa com o anúncio do fechamento da planta de São Bernardo na parada para o café da tarde. Eles foram avisados pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e encerraram o expediente por volta das 14h30, o que normalmente aconteceria por volta das 16h. O Diário foi até a porta da empresa e conversou com operários que se dividiam entre sentimentos de tristeza e revolta.

Alguns funcionários permaneciam em estabelecimentos das imediações, inconformados com a notícia do fechamento. Integrante da comissão de fábrica, Alessandro Gomes Leonardo, 46 anos, sendo 24 de Ford, disse que não houve nenhum comunicado oficial da diretoria. “O anúncio do sindicato foi muito triste, muita gente chorou. Toda a minha família depende do salário, isso sem falar nas pessoas que trabalham em toda a cadeia, que devem perder os seus postos”, declarou.

O primeiro emprego de Edson Norce, 48, foi na Ford. Ele foi demitido em um corte em 1998, mas conseguiu voltar alguns meses depois. “É um sonho de todo mundo trabalhar em uma empresa igual à Ford. É triste ver que tudo pode acabar assim. Nós esperávamos um novo produto e estávamos muito animados com isso, porque aqui temos mão de obra qualificada. Tudo o que eu tenho eu consegui graças ao meu trabalho na empresa, onde estou há 19 anos”, contou, emocionado.

“Meu sonho era me aposentar na Ford e colocar meu filho para trabalhar aqui, e agora a empresa nos pega de surpresa. Já abrimos mão de muitas coisas, porque o mercado estava ruim mundialmente, mas agora a firma vem com uma surpresa dessa para nós”, disse Anderson Roberto Viana, 38, há dez na montadora.

Vale lembrar que, desde 2017, mais de 1.000 trabalhadores saíram da empresa em PDV (Programa de Demissão Voluntária) e aposentadorias. Além disso, a planta da região passou por PPE (Programa de Proteção ao Emprego), ao reduzir jornada de trabalho e salários, e fusão das linhas de carros e caminhões em 2016. Atualmente, a produção é feita em três dias da semana – dois para caminhões e um para carro.


Prefeito se diz indignado e marca reunião com governador

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), está indignado com o fato de a Ford não ter avisado ou dialogado com ninguém sobre a decisão de deixar de atuar no segmento de caminhões na América do Sul. Ontem, Morando agendou reunião com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para esta quinta-feira parar tratar do assunto.

De acordo com o prefeito, são 2.800 famílias diretamente e outras 2.000 indiretamente afetadas, que mereciam uma chance de reagir. “Isso é uma covardia. Sempre apoiamos o trabalhador de verdade, sempre respeitamos aqueles que geram empregos. Por que agir assim?”, indagou.

Morando está inconformado, e assim que soube da notícia pela imprensa, procurou o presidente da Ford, que ainda não o atendeu. Houve contato também com o gabinete do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e o prefeito aguarda o retorno.

Segundo o prefeito, o governador João Doria se colocou à disposição para que, junto com ele, “pressione o presidente da Ford a fim de entender os motivos, amenizar o caos e garantir justiça e dignidade aos trabalhadores e à população de São Bernardo”.

Com fábrica localizada em São Caetano, a GM ameaçou a saída do País no início do ano, em comunicado aos trabalhadores. Atualmente, a empresa negocia investimento em troca de incentivos junto ao poder público e flexibilização de direitos com os trabalhadores. 




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