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Corpo negro: luta e conquista também nas universidades

“Todos esperam novembro para falar sobre o genocídio da população negra, mas estamos diariamente na luta”, desabafa integrante de coletivo

Por Letícia Matos
Especial para o Diário
20/11/2018 | 07:00
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Letícia Matos


Com a inserção do sistema de cotas, lei de 2012, houve avanço no índice de estudantes negros que frequentam a Universidade. Em 2000, só 2,2% dos graduados eram negros e pardos, já em 2017 alcançaram 9,3%. Esse é o caso da estudante Larissa Andrade, 18 anos, que hoje frequenta a UFABC (Universidade Federal do ABC). “Muitas pessoas brancas possuem boa estrutura acadêmica e têm maior base no ensino privado, e nós (negros e estudantes de escola pública), na maioria das vezes, não”, comentou. A aluna completou dizendo que apesar das cotas, ainda é evidente a ausência do que ela chama de corpo negro dentro da instituição.

De acordo com Caroline Lucena, 19, também da UFABC e integrante do Coletivo Negro Vozes, o corpo negro é a marca do indivíduo dentro de determinado meio social e político, sendo a forma como o mesmo se identifica e é identificado pelos outros. A cor da pele se torna a representação de uma história. “Dentro da Universidade, o corpo negro tem o papel de afirmar que estamos conquistando espaços e que não somos apenas pessoas que ocupam posições inferiores e de pouco reconhecimento”, explica Caroline. Em um espaço majoritariamente branco, os estudantes revelam que muitas vezes se sentem acuados, principalmente com o racismo indireto por parte de docentes ou outros alunos, de forma que o impacto só é suavizado por conta da convivência com as pessoas da mesma cor de pele, que passam por desafios diários semelhantes para pertencer no espaço acadêmico.

Por isso, a criação dos coletivos dentro das faculdades. Fundado em 2014 na UFABC, o Coletivo Negro Vozes tem como papel principal auxiliar estudantes negros. O movimento foi fortificado em 2015, período em que diversas pichações racistas foram efetuadas nos banheiros da instituição, reivindicando medidas aos ataques. Desde então, o grupo se reúne para manifestar quando necessário. “O coletivo serve para acolher as pessoas; enquanto o racismo existir, o Vozes será necessário”, afirma uma das representantes do grupo, Laurielen Lucio, 23.

O coletivo ainda promove movimentos culturais como o Sarau Empretecer, atos de expressão e manifestação artística, com poesias, leitura de livros, danças e músicas.  Além disso, alguns professores em parceria com o grupo, reivindicaram o edital 145/2016 da Universidade, que se baseou na Lei 12990/14, reservando aos negros 20% das vagas oferecidas em concursos públicos. Com isso, surgiu o chamado 4x4, edital específico e próprio da instituição, em que foram atribuídas quatro vagas para especialistas em relações raciais, sendo que uma vaga era reservada para profissionais negros. No entanto, os quatro docentes contratados são afrodescendentes. 

Após o edital, a disciplina obrigatória de Estudos Étnico-Raciais do Bacharelado de Ciências e Humanidades (implantada em 2014), que recentemente começou a ser parte da grade de Licenciatura em Matemática, passou a ser ministrada pelos professores do 4x4 em 2016. No ano passado, foi criado o Núcleo dos Estudos Africanos e Afro-brasileiros (NEAB), que propõe dar centralidade para a questão racial dentro do ambiente acadêmico, reunindo docentes, estudantes, técnicos administrativos e interessados na questão étnico-racial. “Atuamos com o papel de assessoramento, contribuindo para como a Universidade lida e incorpora assuntos referentes à questão racial, exercendo uma postura política”, conta a docente Regimeire Maciel.

O Coletivo Negro Vozes, o NEAB e a ProAP (Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas) com o apoio da ProEC (Pró-Reitoria de Extensão e Cultura), atuaram em conjunto para promover a Semana da Consciência Negra na instituição. O evento contou com a presença de pesquisadores, docentes, estudantes e ativistas para debates sobre intolerância racial, violência contra a população negra e contra as mulheres negras, entre outros temas. A programação foi composta por mesas, exposições, oficinas, minicursos e apresentações culturais. Aliás, o grupo feminista Coletiva organizou ensaio fotográfico intitulado Mulheres do Fim do Mundo, buscando enaltecer a fisionomia das negras. Posteriormente, as fotografias vão se tornar exposição no campus São Bernardo.

CONSCIÊNCIA NEGRA
Em aniversário de morte de um dos principais símbolos de luta e resistência, o líder quilombola Zumbi dos Palmares, é comemorado também Dia da Consciência Negra, data responsável por gerar reflexão acerca da inclusão desse grupo na sociedade brasileira. Apesar da escravidão ter sido abolida em 1888 no País, a realidade atual do Brasil ainda é herança do período colonial e do fato de ter sido um dos últimos países a acabar com a escravidão.

Para ilustrar o retrocesso, dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontam que trabalhadores brancos possuem salários médios de 82% superiores aos rendimentos dos negros, o que não surpreende apontar que a população negra está em desvantagem no mercado de trabalho, com cerca de 14,6% de desempregados, sendo que a taxa de analfabetismo no País atinge cerca de 9,9% de negros e pardos (Pnad – 2016).

Segundo o Atlas de Violência 2017, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. No mesmo ano, o sistema ONU Brasil apresentou a campanha Vidas Negras, apontando que em cada 23 minutos, um jovem negro morre no País. Estima-se ainda, que os cidadãos com essa classificação racial possuam um risco de 23,5% maior de sofrer assassinato em relação aos outros grupos populacionais, como apontado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “Todo mundo espera novembro para falar sobre o genocídio da população negra, parece até algo pontual, mas estamos diariamente nessa luta”, desabafa Bruna Magno, 25, integrante do Coletivo Negro Vozes.


Veja entrevista com representantes do movimento:




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