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Jd.Kennedy não dorme a cada chuva

Moradores de bairro palco de tragédia no Ano-Novo em Mauá reclamam de descaso

Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
04/01/2018 | 07:07
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Nario Barbosa/DGABC


“Durante a noite, a gente não descansa. O que eu costumo dizer é que dormir, só se for de olho aberto.” A frase do mecânico de manutenção Remerson da Silva Tibúrcio Souza, 32, morador do Jardim Kennedy, em Mauá, ilustra o sentimento da maioria dos vizinhos do deslizamento que matou um garoto de 10 anos no primeiro dia de 2018. A família dele está entre as sete que precisam ser removidas emergencialmente da área de risco.

Na construção de tijolos e com dois cômodos está investido o valor de uma economia de toda vida. A casa foi comprada por R$ 30 mil e passava por reforma para dar mais conforto à mulher, Edvânia, 26, e à filha, Ana Clara, 1. “As pessoas pensam que a gente está aqui porque quer, mas não é o que acontece. Estamos aqui porque precisamos e foi o único lugar onde consegui comprar uma casa”, disse ele, que mora há três anos do local.

Ontem, representantes da Defesa Civil e da Secretaria de Assistência Social se reuniram pela primeira vez com as famílias que moram na mesma viela do acidente do dia 1º. A administração municipal confirmou que sete residências precisam ser desocupadas até o sábado, sendo que posteriormente serão demolidas. Hoje, esses moradores devem assinar o termo que oficializa o valor do auxílio-aluguel (R$ 400 mensais). De acordo com a Prefeitura, o local continua monitorado pela Defesa Civil.

Mesmo após a conversa, os sentimentos que ficam aos moradores são abandono e revolta. A auxiliar de serviços gerais Verônica Gomes Pereira, 42, mora próximo ao local, mas não foi contemplada nem teve orientação de deixar sua casa. “Chegaram a dizer que 13 barracos estão condenados, o que inclui o meu, mas minha família não tem emergência de sair daqui. Como vou ficar tranquila deste jeito?”

Ela mora em casa com o marido, Genilson do Nascimento, 34, e mais cinco filhos e é sobrevivente de desmoronamento que ocorreu no bairro em abril de 2017. “Parte da minha casa cedeu e eu machuquei minha perna. Uma das minhas filhas foi retirada com o meu quarto já soterrado. Só veio um engenheiro depois olhar e nós reconstruímos. Ninguém deu satisfação para gente. Eu digo que teve que morrer alguém para olharem para nós.”

Segundo os moradores, o resgate demorou cerca de uma hora e meia para chegar após o último deslizamento, por volta das 6h no dia 1º, sendo que o menino André Naja Almeida dos Santos, 10 anos, foi retirado dos escombros ainda com vida pelos vizinhos.

O bairro, que concentra 300 famílias, tem parte asfaltada e com postes de luz. Porém, as vielas que cortam as ruas principais denunciam outra realidade: casas precárias preenchendo um barranco.

A dona de casa Carina Estela Ramos, 29, perdeu o barraco de madeira onde morava. Móveis, eletrodomésticos e tudo foram juntos na tragédia. Três dias após o ocorrido, ela foi ao local, que está isolado com uma fita e chorou ao lembrar que poderia ter perdido os cinco filhos, que têm entre 5 e 12 anos. “A única coisa que conseguimos salvar foram algumas peças de roupas. O meu fogão está intacto, mas não posso retirar. Ainda lembro do dia. Só tive tempo de puxar os bracinhos deles.”

Enquanto procura uma casa nova para morar, ela, o marido, Ricardo dos Santos, 32, e os filhos moram com a mãe. A família sobrevive com um salário mínimo (R$ 954) de Ricardo, auxiliar de serviços gerais. “Já estou procurando casa, mas a mais barata que achei o aluguel é R$ 500. É triste, porque passamos um sufoco para pagar e ter a nossa casinha. Era humilde, mas era o máximo que conseguimos.”

Uma das moradoras mais antigas do bairro, a dona de casa Odete Marques da Cruz, 57, construiu seu lar escorado no barranco, há 40 anos. Ela lembra que a área já passou por quatro desabamentos, sendo o último o único com vítima fatal. “Aqui tudo é muito sofrido. Para a construção da escola, tivemos que lutar e fazer abaixo-assinado. Por isso eu estou de mudança para o Interior, quero ir para um local mais sossegado.”

CONJUNTO HABITACIONAL
Invadido desde 2011, o conjunto habitacional, com 40 unidades, localizado no bairro, deve ter suas obras retomadas neste ano, após oito de trabalhos paralisados. Os prédios devem fazer pouca diferença no deficit habitacional da cidade (8.000 unidades) e no próprio Jardim Kennedy.

O local tem apenas o esqueleto pronto, sendo que o acabamento e a colocação de portas e janelas partiram da iniciativa dos próprios moradores. Nem mesmo a escada interna foi construída, sendo improvisada com pedaços de madeira.

O vendedor aposentado Gentil da Silva Carvalho, 74, já investiu R$ 25 mil no espaço onde mora com a mulher. Para ele, o acabamento deve permitir melhor deslocamento, principalmente em dias de chuva, quando a água escoa dentro do prédio. “Eu gosto muito do bairro e quero montar uma horta comunitária aqui no terreno. A população merece isso.” 




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