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Eunucos buscam dignidade política na India
Do Diário do Grande ABC
17/02/2000 | 13:19
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Desprezados e oprimidos há séculos, os eunucos da India lutam agora por sua dignidade no campo da política. Ao apresentar candidatos às eleiçoes locais, os eunucos, ou ``hijras', esperam ser reconhecidos enquanto comunidade e deixar para trás a tradicional imagem de párias, ligados à prostituiçao. E ainda ter o direito de diversificar o seu meio de vida: os shows de canto e dança nas festas para os quais sao contratados.

Na India, há 1 milhao e 200 mil eunucos, informa Khairati Lal Bhola, que fundou, em 1984, a Associaçao pelo Bem-Estar dos Hijras. ``No ano passado, cinco hijras ganharon as eleiçoes locais, em Madhya Pradesh (centro), e inclusive um deles foi eleito prefeito', disse Khairati.

Kamla Jaan, 50 anos, candidato independente, foi eleito no final do ano passado prefeito da localidade de Katni, em Madhya Pradesh, cargo reservado a uma mulher, segundo a lei, vencendo na eleiçao as candidatas dos dois principais partidos indianos, o BJP (no poder) e o Congresso.

Um candidato eunuco concorreu também, este mês, nas eleiçoes legislativas do Estado de Haryana (norte). Os ``hijras' (``impotentes', em dialeto urdu) nao se consideram nem homens nem mulheres, mas sim como pertencentes a um ``terceiro sexo', apesar de em geral se vestirem como mulheres, se maquiarem e adotarem nomes femininos.

``Cerca de 90% deles nao nasceram eunucos. Sao meninos que foram raptados e castrados pelos hijras. Isso acontece há séculos', explica Bhola. Os outros nasceram com os órgaos sexuais mal-formados, alguns sao hermafroditas e outros travestis.

Os eunucos ficaram célebres por seu papel de guardiaes dos haréns na India dos imperadores mongóis. Alguns deles chegaram a ocupar os mais altos cargos no governo e no exército.

Os ``hijras' invocam o Ramayana como prova de seu direito à existência. Segundo esse texto da mitologia hindu, quando o deus-guerreiro Rama exilou-se na selva, pediu a seus seguidores homens e mulheres que voltassem às suas casas. Como nao eram nem homens nem mulheres, os eunucos esperaram durante 14 anos seu regresso, conquistando seu apreço.

Segundo Purshottam Vinaik, empresário de Nova Délhi que luta pelos direitos dos ``hijras', o sucesso de seus candidatos nas eleiçoes se deve a uma atitude de rejeiçao dos eleitores à classe política tradicional. ``Hoje, a política está cheia de trapaceiros, mentirosos e delinqüentes. É por isso que essas pessoas sao eleitas'.

No entanto, segundo Viaik, uma representaçao política dos hijras nao significa uma vida melhor para a grande maioria deles, membros de uma comunidade dividida.

Nagina, um eunuco de 35 anos, explica que os ``hijras' sao dominados por ``opulentos gurus, a quem devemos pagar para estar protegidos'. ``Eu nao tenho por que votar num rico 'hijra'. ``Desde que nascemos somos vítimas de abusos, somos despreciados', diz Radha, jovem eunuco de Pendjab. ``Nos sentimos como objetos, usados por todo mundo e depois jogados fora. Gostaria de ganhar a vida varrendo as ruas, mas esse trabalho me é proibido', revela.

A vida dos ``hijras' é tao dura que, quando um deles morre, faz-se uma festa, já que a morte significa a libertaçao de uma vida miserável. ``Que podem fazer os governos ou os políticos quando o próprio Deus nos bateu no rosto ao nascer?', desabafa Radha.




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