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Crise dos EUA não será marolinha
Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
14/08/2011 | 07:10
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Claudinei Plaza/DGABC


O cenário da economia brasileira, com recorde de empregos, expansão do setor imobiliário, expressiva entrada de dólares no País e muitos negócios com a China, sinalizam que, se a crise dos Estados Unidos realmente eclodir, desta vez não será apenas uma marolinha, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a turbulência financeira há três anos.

"Em 2008 não fomos muito afetados porque nem tivemos tempo de entrar na festa. E, aqueles países que entraram, comeram comida estragada e até hoje não se recuperaram completamente. Hoje, estamos na festa e, se houver impactos, desta vez o Brasil sente, porque nossa economia cresceu muito de lá para cá", analisa o professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas e da Trevisan Escola de Negócios José Ricardo Escolá de Araújo. "Temos a sexta maior reserva de dólares do mundo, com US$ 350 bilhões."

Um dos maiores problemas - que em 2008 não havia - está no fato de o País ser refém do mercado chinês que, por sua vez, abastece o mundo todo, inclusive os Estados Unidos. Como o nosso forte é exportar commodities e o dos chineses é agregar valor a elas a custo muito baixo, seus produtos tornaram-se vedetes no cenário internacional. Um clássico exemplo é o minério de ferro, que é vendido para a China, que o transforma em aço e vende aos EUA. Considerando que eles reduzam drasticamente seu consumo, o efeito se dá em cadeia.

Por enquanto, na avaliação de Araújo, os focos do incêndio estão sob controle. "Porém, o Congresso norte-americano está demorando muito a tomar medidas, já que não está acostumado a colocar a mão no bolso. Enquanto isso, a população está deprimida e vivendo de aluguel por falta de condições de pagamento das hipotecas", contextualiza. "Se os Estados Unidos não recuperarem o fôlego nos próximos meses, fatalmente haverá a suspensão de investimentos e a perda de empregos."

Para o coordenador do curso de Economia da Universidade Municipal de São Caetano, Francisco Funcia, as empresas brasileiras terão de reduzir sua dependência e atuação externa. Principalmente as oligopolistas (que fazem parte de seleto grupo de empresas que dominam o mercado mundial em determinado setor) de grande porte que, justamente por movimentar expressivos volumes de investimentos e operar no Exterior, estão mais expostas aos riscos da crise. "É fato que as companhias que tiverem maior vínculo interno e redirecionarem seus investimentos estarão mais protegidas da turbulência."

Os especialistas acreditam que, para se fortalecer diante da crise, os empresários devem ampliar sua capacidade produtiva e, o País, propiciar a formação de profissionais qualificados. O grande percalço está no fato de o Brasil ter fraca atuação no desenvolvimento de tecnologias, sem a posse de patentes. E é isso mesmo o que tem de ser revertido.

Mercados de capitais começa a se recuperar

As bolsas de valores ao redor do mundo, como as dos Estados Unidos, França, Bélgica, Itália, Espanha e, inclusive a brasileira, encerraram a semana em recuperação. O índice Bovespa, principal indicador da BM&FBovespa, fechou o pregão da sexta-feira em alta de 0,24% e, na semana, acumulou expansão de 0,9%.

Isso significa que o tombo de 8,8% tomado na segunda-feira, após o rebaixamento do rating soberano norte-americano (nota que avalia a capacidade de o País pagar suas dívidas) de AAA para AA+, já foi recuperado. O recuo foi provocado pela aversão ao risco dos investidores, já que 1/3 da Bolsa brasileira é movimentada por estrangeiros. Tanto que a debandada gerou o aumento da cotação do dólar - que chegou a R$ 1,63 mas, na sexta-feira, fechou em R$ 1,61.

EXPECTATIVA - Na avaliação de Wagner Caetano, diretor da Top Traders, escola de investidores da região, a tendência é que as bolsas continuem se recuperando nos próximos dias. Tanto que, durante esse período, ele acredita ser o ideal para a compra de ações. Porém, sem o uso de alavancagem - quando o investidor compra um valor muito maior do que possui. "Acho que agora é um momento melhor para a compra do que nos últimos dias, por exemplo, quando ainda não dava para mensurar o tamanho da queda no valor dos papéis", orienta. "Recomendo a compra de ações do setor de energia elétrica, que foi muito defensivo na queda e é um segmento que paga excelentes dividendos (participação nos lucros). Papéis de empresas do varejo também são uma boa pedida, já que a economia interna segue muito aquecida."

Caetano acredita que se deve abortar a operação, ou vender ações de determinada empresa, apenas se a queda observada nos próximos dias for maior do que a dessa semana.

Entenda a turbulência norte-americana

A crise dos Estados Unidos na realidade é um reflexo da má recuperação da turbulência de 2008, provocada pelo excesso de hipotecas (quando o imóvel é refinanciado) e eclodida pela quebra do banco Lehman Brothers.

Um dos efeitos desse rescaldo foi a necessidade de corte no orçamento norte-americano, a fim de reduzir exorbitante deficit do país, de US$ 1,4 trilhão (R$ 2,25 trilhões). Em abril, o impasse entre democratas e republicanos colocou em risco o emprego de 800 mil funcionários de diversos serviços do governo considerados não-essenciais, que seriam demitidos sem receber pagamento.

Neste mês, uma das agências de classificação de risco mais respeitadas do mundo, a Standard &Poor's, duvidou da capacidade de a potência norte-americana honrar suas dívidas e rebaixou o rating soberano de AAA para AA+, E foi essa mudança que, apesar de pequena, disseminou a desconfiança ao redor do mundo, afinal, os EUA sempre haviam sido considerados uma nação triple A (nota máxima).

NA REGIÃO - A turbulência nos Estados Unidos começou a preocupar os empresários do Grande ABC. Mesmo com a maioria não tendo relação direta com os Estados Unidos - pois muitos deles têm foco na América Latina por exportarem principalmente itens manufaturados -, existe o medo de uma maior entrada de produtos importados no País.

Se os Estados Unidos, que importam 30% do que consomem, reduzirem suas compras externas, os países fornecedores tenderão a redirecionar suas vendas a nações emergentes, onde a economia ainda está aquecida, caso do Brasil.

Será criado, então, um excedente de produção em todo o mundo, e esses itens que deixaram de ser comercializados aos Estados Unidos serão exportados. Dessa forma, a concorrência no mercado interno ficará ainda mais acirrada.




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