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A ciência no rastro do zika
Por Wilson Marini
25/02/2016 | 07:00
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Em sintonia com a urgência que o caso impõe, a ciência segue revelando novas informações sobre o zika vírus no Brasil. Equipe de pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) realizou exames clínicos, genéticos e de imagem em 35 crianças com microcefalia relacionada ao vírus e nascidas em oito Estados. Os resultados favorecem a hipótese de que a infecção não cause apenas microcefalia, mas uma nova síndrome. Além dos danos cerebrais já conhecidos, as crianças apresentavam problema articular grave, a artrogripose. Os dados constam da última edição da revista Pesquisa, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e foram liberados terça-feira. Além disso, a edição revela que a variedade do zika em circulação em diferentes regiões brasileiras é possivelmente originária da Polinésia Francesa. O vírus teria sido introduzido no Brasil em único evento. Equipe do Instituto Adolfo Lutz em São Paulo e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) fizeram nas últimas semanas o sequenciamento do material genético do vírus isolado em São Paulo e na Paraíba.

Números
De 22 de outubro de 2015 a 30 de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde registrou o nascimento de 4.783 bebês com suspeita de ter microcefalia. Antes da epidemia de zika, a notificação não era obrigatória. Dos 1.113 casos já analisados, 404 foram confirmados. Esses bebês têm de fato o cérebro pequeno demais para a idade e, além dos sintomas clínicos, apresentam sinais de lesão cerebral compatíveis com os de uma infecção adquirida durante a gestação (congênita). Apesar da preocupação, só se conseguiu comprovar a infecção por zika em 17 dos 404 casos de microcefalia – os outros 387 dependem da realização de testes imunológicos, ainda não disponíveis.

Migração
Os mosquitos do gênero Aedes, além do zika, transmitem os vírus da febre amarela, da dengue e da chikungunya. Segundo estimativas do governo federal, o zika vírus já infectou de 440 mil a 1,3 milhão de pessoas. O vírus que assombra o mundo com a ameaça da microcefalia levou quase 70 anos para atravessar metade do globo, mas em pouco tempo conquistou potencial explosivo de disseminação, afirma a publicação da Fapesp. Adaptações sofridas pelo vírus durante a sua viagem a partir da África facilitaram a sua reprodução no organismo humano. Some-se a isso a alta mobilidade da população e ao fato de que o vírus costuma pegar carona no sangue humano sem ser notado, pois em 80% dos casos a infecção não provoca sintomas.

Espalhamento
Em artigo recente da revista Lancet, grupo de pesquisadores do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra prevê cenário de rápido espalhamento do zika por regiões com elevada concentração de pessoas nas Américas e na Europa. Foi usado modelo matemático que reproduz os surtos de dengue para estimar a capacidade de disseminação do zika, e as regiões com clima favorável à proliferação dos insetos. Os pesquisadores calcularam a probabilidade de o vírus alcançar as regiões onde vive seu transmissor – o Aedes aegypti, nas Américas e na África, e o Aedes albopictus, na Ásia e na Europa. Para isso, mapearam o destino internacional de pessoas que entre setembro de 2014 e agosto de 2015 estiveram em regiões do Brasil onde havia transmissão de zika. Nesse período, quase 10 milhões de pessoas viajaram para o Exterior a partir de 146 aeroportos brasileiros situados em áreas onde circulava o vírus.

Concentração
De acordo com a revista da Fapesp, esse cenário preocupa as autoridades da Saúde porque algumas regiões que receberam os viajantes abrigam elevada concentração de pessoas. Mais de 60% da população da Argentina, da Itália e dos Estados Unidos vivem em regiões favoráveis à transmissão sazonal do vírus. Além disso, o zika parece ter adquirido a capacidade de infectar mais facilmente o organismo humano no longo e lento caminho que percorreu na Ásia, desde que deixou as florestas de Uganda por volta de 1945, até chegar à Polinésia Francesa em 2013, de onde alcançou o Brasil. Essa travessia, aliás, foi mapeada recentemente pelo biomédico Caio de Melo Freire, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e colegas da USP e do Instituto Pasteur no Senegal.

Em Botucatu
Enquanto o vírus avança, na Unesp em Botucatu o biólogo Jayme Souza-Neto começa a investigar quais fatores tornam o Aedes mais suscetível a se infectar com o zika. Além de buscar formas de evitar que o mosquito se infecte com o vírus, impedindo o inseto de o passar adiante, ele planeja comparar a eficiência do Aedes aegypti em transmitir o vírus da dengue com a de propagar o da zika. Esse trabalho poderá ajudar a explicar por que este vírus parece se disseminar mais rapidamente do que aquele. O grupo de Botucatu fará a busca ativa de mosquitos nas áreas com casos suspeitos da doença. “Esperamos conhecer a quantidade de mosquitos infectados no ambiente e a variedade do vírus em circulação”, diz Souza-Neto. 




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