Cultura & Lazer Titulo
Vidas de anônimos e famosos estão nas páginas de Talese
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
23/05/2004 | 18:32
Compartilhar notícia


Com o lançamento de Fama e Anonimato (536 págs., R$ 52), a editora Companhia das Letras pretende decretar, pelo menos em parte, o fim de um dos casos mais antigos de contrabando de cópias xerográficas de que se tem notícia no meio universitário e entre ratos de sebo. Desde que a fotocopiadora virou item de primeira necessidade para a classe estudantil, vez ou outra aparecia um maço de aproximadamente 25 folhas (ou 50 páginas) intitulado Frank Sinatra Está Resfriado. Era um perfil do cantor de olhos azuis, escrito por um tal Gay Talese no inverno de 1965, mas com um detalhe: o autor do texto esquadrinhou a vida do menestrel sem sequer entrevistá-lo.

Era um texto fascinante, uma aula de descrição jornalística. E, durante muito tempo, o único contato que milhares de leitores tiveram com Gay Talese, em cópias das cópias das cópias do xerox do livro ao qual pertencia a reportagem. Um livro que, lançado em 1973 sob o título Aos Olhos da Multidão e jamais reeditado, rareava em sebos e bibliotecas.

Trinta anos depois, Fama e Anonimato comporta tudo aquilo que Aos Olhos da Multidão trazia, mais dois novos textos de Talese (Na Ponte e Como não Entrevistar Frank Sinatra) e um posfácio de Humberto Werneck. Em um dos textos do apêndice, o autor comenta que a idealização de um perfil de “A Voz” sem tê-la ouvido ocorreu porque Sinatra, à época, era acometido por um baita resfriado e sofria acusações de ligações com a máfia em Los Angeles. Teria, aliás, conquistado o apelido de il padrone (o padrinho) por seu relacionamento ao mesmo tempo afável e intempestivo com quem lhe era próximo. Talese afirma que gastou US$ 3 mil – astronômicos hoje, o que dirá há 40 anos? – para levar amigos e familiares de Sinatra para jantar fora e deles extrair algo que o ajudasse a compor.

Não só Frank Sinatra Está Resfriado preenche Fama e Anonimato. O volume divide-se em três capítulos, o último deles chamado Excursão ao Interior e que aceita retratos de Sinatra, do pugilista Floyd Patterson, do jogador de beisebol Joe DiMaggio e do teatrólogo Joshua Logan, entre outros. São biografias diversas que em comum têm o fato de não se pretenderem nunca definitivas. Coincidem em ser instantâneos de um trecho da vida dessas personalidades, geralmente em fase de declínio ou em situações claudicantes para sua imagem pública.

A parte 1 do livro – Nova York: A Jornada de um Serendipitoso – mela os pés nas ruas da Big Apple para capturar flagrantes de vidas imóveis da cidade que, dizem, nunca pára e que no início dos anos 60 consumia 34 km de fio dental por dia. São engraxates que identificam a personalidade dos transeuntes apenas com uma breve conferida em seus pisantes; ou um mergulhador que resgata objetos perdidos 55 metros adentro do rio sombreado pela ponte George Washington; ou o mendigo Bozo, que afirma não ser um bebum como os outros, mas um “bebum clássico, dinâmico e extraordinário”.

O capítulo restante, intitulado A Ponte, é ótimo exemplo de Talese enquanto o competente serendipitoso (pessoa que faz descobertas úteis) que ele diz ser, que abomina gravadores para exercer a reportagem por acreditar que a tecnologia intimide os entrevistados. Ele narra a construção da gigantesca ponte Verrazano-Narrows, em Nova York, desde o despejo das famílias que moravam em terrenos desocupados para a construção até os operários que morreram durante a operação de erguer o empreendimento. Ao fim dos relatos, o leitor quer mais, sente-se tão carente daquele ambiente quanto os boomers (trabalhadores nômades da construção civil). E aí Talese expõe que seu texto, tão saboroso quanto informativo nas detalhadas descrições, não se restringe aos universitários que gastaram as retinas nas fotocópias com impressão quase apagada ou a profissionais da comunicação; é para todo alfabetizado, que goste de boas histórias – quanto melhor se forem colhidas à base de muita perambulação e nanquim.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;