Cultura & Lazer Titulo
Guel Arraes busca drama em 'Romance'
Por
14/11/2008 | 07:00
Compartilhar notícia
Divulgação


É o filme que Guel Arraes queria fazer, e ele o fez. Romance, que estréia nesta sexta-feira, marca uma mudança importante na carreira do diretor de Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. A prática da vida - e da arte - levou Guel para o território da comédia, mas não era isso que ele pensava fazer quando, jovem, vivia na França. Influenciado por Jean-Luc Godard e François Truffaut, dois ícones da nouvelle vague - o movimento de renovação do cinema francês por volta de 1960 -, Guel sonhava com filmes dramáticos e não apenas isso.

Truffaut, é um comentário que existe até hoje, fazia filmes com as atrizes que queria levar para a cama. Godard fez de Anna Karina sua musa e também, além dos filhos, compartilhou com ela a cama.

Guel sempre vivenciou essa fantasia de fazer de arte e vida uma coisa só. No Brasil, ele adorava Domingos Oliveira, apaixonado por Leila Diniz, que sintetizava todas as mulheres do mundo. Mas Guel foi revolucionar a TV, com séries como Armação Ilimitada e, depois, com Comédia da Vida Privada. Nos últimos 25/30 anos, como diretor de comédias, virou mestre do humor, um tipo de humor sofisticado para o padrão habitual da TV.

Da TV, saltou para o cinema com o Auto e Lisbela. Fez sucesso de público e recebeu pancadas de críticos que o acusam de fazer um híbrido de cinema e TV, ou de impor ao cinema brasileiro sua estética televisiva. Você pode achar que, de tanto levar pancada, Guel se acostumou. Mas elas ainda doem, ele admite. "Achei que não ia ligar para o que dissessem sobre Romance e nem ia ler. Queria tanto fazer o filme. Fiquei tão feliz por ter conseguido. Mas não resisti. Li alguma coisa e achei que foi muito pessoalizado, para tentar me atingir mesmo."

Como produtor e diretor, ele acha que, de alguma forma, carregava uma bandeira, de um tipo de cinema brasileiro ao mesmo tempo sofisticado e popular. Com Romance, não existia, nunca existiu, bandeira nenhuma. "É o meu filme mais pessoal, no sentido de que vou às fontes dos autores que me marcaram e que tratam da questão amorosa contemporânea, dessa coisa de viver e trabalhar juntos, que sempre me atraiu."

Havia, em Lisbela, toda uma parte melodramática. Há agora em Romance drama pesado e até tragédia. "Estou deixando de ser um velho diretor de comédias e me transformando num jovem diretor de dramas", diz o autor, que não resiste a uma piada.

Para um filme que ele quis tão radicalmente autoral, e intenso, Guel admite que, sob certos aspectos, se trata de uma autoria a quatro mãos, com Jorge Furtado. "O Jorge me completa, é a minha alma gêmea. Juntos, formamos uma entidade."

Na série Comédia da Vida Privada houve um episódio escrito por Jorge que se chamava Drama. Foi o ponto de partida de Romance. "Na época, cheguei a comentar que era o tipo de discussão sobre o amor que gostaria de levar." Ao retomar a idéia com Jorge, Guel formatou o projeto a partir do que queria dizer. A história de um casal de artistas, uma discussão apaixonada sobre o amor.

Pesquisando na internet, ele encontrou a História do Amor no Ocidente, de Denis de Rougemont, que foi sua Bíblia, pela análise que o autor faz de Tristão e Isolda como mito fundador do amor romântico. De posse dessa ferramenta, o filme deslanchou. "Havíamos pensado em Dom Quixote e Dulcinéia, mas a descoberta de Tristão e Isolda realmente me forneceu o elemento trágico que buscava." E surgiu a história de Pedro e Ana, ele, diretor de teatro, ela, sua atriz, mulher e musa. Ambos criam um espetáculo baseado em Tristão e Isolda, que estoura. Ana é cooptada pela TV, vira estrela de novela. A relação termina, mas, depois, ela própria toma a iniciativa de usar seu prestígio na TV para chamar Pedro para a direção de um especial que não é outra coisa senão Tristão e Isolda no Nordeste.

A marcha à ré anima novas expectativas e reabre velhas feridas quando Pedro percebe que Ana está se envolvendo com o ator que faz seu par. Ele também tem problemas com a direção da emissora, que lhe cobra algo mais popular.

"Quis contrapor duas prosódias. A do mito de Tristão e Isolda, que Camila Amado, como preparadora do elenco, me ajudou a formatar como tragédia e a versão TV, num formato de cordel ou, mais exatamente, de prosa rosiana - de Guimarães Rosa -, que me fornecia outro estímulo auditivo." Mais do que um diálogo entre mídias - cinema, televisão e teatro -, a discussão ideológica que se superpõe à ideologia do amor é a da ‘artindústria'. Pedro quer fazer arte num meio essencialmente industrial.

Quando ele trapaceia para atingir seu objetivo - e consegue -, está subvertendo ou servindo ao sistema? Só o fato de Romance animar esse tipo de discussão já seria uma coisa interessante - e salutar -, se os críticos conseguissem vencer a própria limitação de seu conceito do cinema ‘televisivo' do diretor. Afinal, boa parte da construção de Romance passa mais pelo teatro do que pela TV. Toda a parte de criação, de ensaio, da peça dentro do filme exacerba o cotidiano e cria um universo controlado de referências e citações literárias que deveria fazer sonhar os que ainda sonham com uma (antiga) nouvelle vague.

Aqui, por força da própria história que quer contar, e do clima de que necessita, ele usa menos cortes e investe mais no plano-seqüência. Mais do que o humor, Guel busca a emoção e até admite - "Tomei um susto no Festival do Rio quando vi toda aquela gente rindo." Mas é que o filme tem um lado de humor, senão não seria de Guel.

Ele se faz presente com os personagens de Andréa Beltrão e Vladimir Brichta. Pedro e Ana são Wagner Moura e Letícia Sabatella. Um dos prazeres de Guel em Romance foi dirigir esse elenco. "Prefiro que falem mal de mim e respeitem meus atores. Eles são maravilhosos."




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;