D+ Titulo Literatura
O universo dos quadrinhos
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
31/07/2011 | 07:00
Compartilhar notícia


Demorou muito, mas finalmente Mundo Fantasma (Ghost World, Gal Editora, 84 págs., R$ 28) ganhou edição no Brasil. Escrita e ilustrada pelo norte-americano Daniel Clowes, a HQ - uma das mais importantes do cenário independente - foi publicada na década de 1990. Em pouco tempo, conquistou a crítica e o público.

As amigas boca-sujas Enid e Rebecca vivem a agonia e incertezas ao deixar a adolescência rumo à fase adulta. Inteligentes, não escondem as opiniões - quase sempre negativas - sobre praticamente tudo. E apesar da pose de duronas e maduras que mantêm, não deixam a imprudência e a insegurança típicas da idade de lado.

Em meio à trajetória, as garotas cruzam com tipos bizarros. É nessa hora que a gente para e reflete sobre quem é mais louco. Enid e Rebecca que se metem com os esquisitões ou o lugar que as cerca? No fim, o leitor sente aquele gostinho amargo de que nem sempre as coisas melhoram. E, então, o mundo é mesmo fantasma ou a gente que é fantasma para o mundo?

Talvez a maior conquista da obra não tenham sido os prêmios que ganhou, mas a contribuição que deu aos quadrinhos undergrounds. Graças ao sucesso da criação de Clowes, novos leitores começaram a se interessar por HQs desse tipo. Em 2001, foi adaptada para a telona com roteiro do quadrinista. Rapidinho ganhou o título de filme cult. Quem nunca leu gibis independentes pode estranhar a obra. Aliás, não é indicada para os mais novos, por causa dos palavrões e insinuações de sexo.

SELEÇÃO - Quer ler mais HQs e não sabe por onde começar? O D+ conversou sobre isso com três especialistas - Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de Quadrinhos da USP, Gualberto Costa, criador do Troféu HQMix (principal prêmio brasileiro da área), e Gilmar, ilustrador do Diário e criador do Guilber. Apaixonados pelo assunto, indicaram algumas imperdíveis. Não se trata de lista das dez melhores obras. Mesmo porque faltam títulos importantes, como Eternauta, de Héctor Oesterheld e Solano Lopez, Ferdinando e os Shmoos, de Al Capp, Sandman, de Neil Gaiman, entre outros.

 

- Autor de Ao Coração da Tempestade e Spirit, Will Eisner é unanimidade entre os especialistas em HQ. Quase toda obra do norte-americano pode ser chamada de clássica. Segundo Gilmar, o destaque fica por conta do modo como retratou Nova York e seus habitantes. Na opinião de Waldomiro, é brilhante contador de histórias, inigualável.

Watchmen, série escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, é aclamada pelo público e crítica. É mais do que uma história sobre super-heróis falidos. Com complexidade, revela problemas e fragilidades da humanidade. Construção ímpar dessa linguagem, segundo Waldomiro.

Piratas do Tietê é a famosa série do cartunista brasileiro Laerte, que mistura fantasia com realidade urbana. Com humor, personagens malucos e nada corretos, o autor faz críticas à sociedade. Em 2003, virou premiada peça de teatro. Laerte é considerado um gênio, segundo Gualberto.

Asterix e Obelix, dos franceses Albert Uderzo e René Goscinny, é opção divertida para os teens que estão começando a curtir HQs, segundo Gualberto. Outra obra europeia imperdível é Tintim, do belga Hergé, que ganha filme em 2012. É considerada marco dos quadrinhos de aventura.

Apesar de criança, Mafalda, do argentino Quino, tem grande visão e opinião crítica sobre o mundo. "Hoje, temos uma mulher presidente, mas em Mafalda a gente já vê um discurso feminista bacana", diz Gualberto. Assim como Peanuts, de Charles Schulz, Calvin e Haroldo, de Bill Waterson, ela usa o universo infantil para falar dos adultos.

Batman - A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland, é HQ superelogiada. Na trama, a estrela é o Coringa, que ganha história sobre seu passado e tenta se justificar mostrando que qualquer um pode enlouquecer. Não é só o melhor quadrinho do Batman, mas também tem esmero artístico e narrativa perfeita.

Em Maus, Art Spielgeman fala sobre a luta de seu pai, que era judeu, para sobreviver no campo de concentração nazista. Os personagens são representados por bichos. Em 1992, a obra ganhou o Pulitzer, um dos prêmios mais importantes na área de jornalismo, literatura e música.

Flash Gordon é o quadrinho criado por Alex Raymond na década de 1930, que virou série de TV nos anos 1950. Segundo Gualberto, o bacana de ler as HQs é perceber como já se faziam histórias de qualidade há muitos anos. É possível, por exemplo, ver minissaia antes de ela ser criada.

Em Memória de Elefante, o brasileiro Caeto fala sobre a própria vida, problemas, angústias e dilemas familiares, bem parecido com o que os norte-americanos Robert Crumb e Harvey Pekar fizeram. Na opinião de Gilmar, é bom representante dos quadrinhos autobiográficos, estilo que vem conquistando editoras e leitores no Brasil.

MSP 50 - Mauricio de Sousa por 50 Artistas mostra desenhos e histórias dos personagens nos diferentes traços de importantes quadrinistas brasileiros. Para Gilmar, que participou do projeto, é excelente coleção. "Bacana observar Mônica e Cebolinha em outras resoluções gráficas."

 

Ganhou mais espaço no universo literário

Os quadrinhos, principalmente no Brasil, estão com tudo. Cada vez mais as editoras investem no formato que não para de ganhar leitores. Artistas brasileiros são premiados e respeitados no Exterior. E há algum tempo, as HQs já não são encontradas apenas nas bancas de jornais. Receberam espaço exclusivo nas livrarias.

Provou-se que não estão reduzidas às histórias e personagens infantis. Há romances, biografias, aventuras, fantasia para adultos e até jornalismo em quadrinhos, como as obras de Joe Sacco, que esteve na Flip (Feira Literária de Parati), deste ano. Ele criou Palestina - Uma Nação Ocupada (1993), sobre a guerra entre árabes e judeus, narrados com precisão. Neste segmento, as obras apresentam tramas complexas e de qualidade. O destaque, atualmente, fica por conta das boas adaptações de clássicos da Literatura Brasileira e internacional. Além disso, a ideia de que quem os lê é preguiçoso e não gosta de livros também mostrou-se ultrapassada.

Muito desse cenário deve-se às leis de incentivo estaduais (tipo Proac, em São Paulo) e à frequente compra de HQs feita pelo governo federal, segundo Gualberto Costa, criador do Troféu HQMix. "O País está vivendo boa fase. Hoje, os quadrinhos estão nas escolas. Todo mês tem vários lançamentos."

Os adultos começaram a torcer o nariz para os quadrinhos quando o psiquiatra alemão Fredric Wertham publicou o livro Sedução dos Inocentes, em 1954. Na obra, culpava as HQs pela onda de violência juvenil nos Estados Unidos. Isso se espalhou pelo mundo. Com o tempo, mostrou-se que não tem nada a ver. Sorte nossa!




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.

Mais Lidas

;