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Trabalho infantil completa renda de famílias
Por Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
15/02/2003 | 18:12
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À tarde, sob o sol forte de verão, um grupo de dez a 15 crianças reúne-se no cruzamento da avenida Fábio Eduardo Ramos Esquível com praça Mônaco, em Diadema. Elas têm entre 7 e 15 anos; moram na favela da Vila Mulford; e vendem doces para ajudar a família.

Duas dessas crianças – a menina M.C.S., de 10 anos, e seu irmão J.A.S., de 11 – auxiliam no sustento da mãe, do pai e de cinco irmãos menores. Loirinha, meiga, a menina conta que eles compram a caixa de 30 balas de goma por R$ 4,30. Cada doce é vendido por R$ 0,50. No final do dia, se tiver vendido toda a caixa, ela levará para casa R$ 15 (ou R$ 10,40 se for descontado o preço da caixa).

Com esse dinheiro, a mãe de M. e de J. diz que compra carne, arroz, feijão, bujão de gás; e paga a conta da água do barraco onde a família vive na Vila Mulford. “Se não fosse por eles, a gente passava fome”, afirma Cacilda Mendes da Silva, 33 anos, nove filhos (dois dos quais morreram por falta de assistência médica, quando a família ainda morava em Barreiros, interior de Pernambuco).

Cacilda conta que o marido trabalhava em um engenho. “No Norte, tudo acabou.” O engenho fechou, o marido perdeu o emprego e a família desembarcou em Diadema, há cerca de dois anos. O marido de Cacilda é analfabeto e encontra dificuldade até para arrumar bicos.

Para chegar no barraco onde vive, a menina M. e seu irmão precisam escalar três escadas precárias de construção. A casa tem um único cômodo. Dentro, um beliche e uma cama de casal ocupam quase todo o espaço. No alto da favela, Cacilda cuida de cinco filhos, menores de 9 anos, enquanto mantém um olho nos dois que estão trabalhando embaixo, no farol, sob o sol forte e junto aos canos de escapamentos dos veículos. “Eu fico com o coração apertado, mas a gente precisa desse dinheiro.”

O presidente do Conselho Tutelar 2 de Diadema, Talabi Ubirajara Fahel, afirma que as tentativas de retirar as crianças da favela Mulford do farol não foram bem-sucedidas. “A gente recolhe essas crianças, notifica os pais e eles retornam à rua.” Para Fahel, há pais que se aproveitam da situação. “Muitos obrigam as crianças a vender esses produtos. Eles exploram os filhos.”

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo), João José Sadi, pede para se tomar cuidado com as palavras. “Pode até ter o caso de um pai que explora o filho, mas o mais comum nesse cenário de 2 milhões de desempregados é o pai sair para procurar emprego, não encontrar e nesse meio tempo o filho ajuda a família vendendo bala.”

Feirante – Segundo uma pesquisa, feita pelos educadores do projeto Meninos e Meninas de Rua, a feira livre é a principal porta pela qual crianças e adolescentes podem aprender a viver fora de casa. É o caso do menino A.L.M., 12 anos, que freqüenta feiras livres, em Santo André.

Na semana passada, estava na feira da rua Higienópolis, no bairro Pinheirinho. Ele chega para o trabalho às 6h e só vai embora quando os feirantes começam a desmontar as barracas. A. não recebe salário. Ele ajuda os feirantes e em troca ganha sobras de legumes, verduras, frutas. Ele mora na favela Gamboa, em Santo André. Ele diz que o pai está desempregado e trabalha eventualmente de chapa, carregando e descarregando caminhões.

Faz três anos que A. parou de estudar, depois que a família, que morava em Mauá, mudou-se para Santo André. “Fiz só até a 4ª série. Eu ainda guardo o uniforme que usava na escola.” Um feirante disse que ficou com pena de A. e propôs um acordo: “Você dá uma força pra nós e a gente te ajuda.” O feirante não sabia que o trabalho infantil está banido no Brasil, há cinco anos.

Fuga – Em Rio Grande da Serra, o garoto L., 14 anos, trabalha de ajudante em um açougue. L. deve saber que há restrições para o trabalho infantil. Quando ele viu a reportagem do Diário, trancou-se em um banheiro e só saiu ao verificar que o repórter tinha ido embora. Uma funcionária do açougue explicou que ele estuda de manhã e trabalha à tarde. L. perdeu a mãe há oito anos e mora atualmente com o irmão mais velho. Corta bifes, tempera frangos e carnes. “Ele trabalha bem direitinho.”

Quem também “trabalha direitinho” é o menino R.P.S., 10 anos, que ajuda a mãe Conceição Pereira Martins, 54 anos, a recolher papelões, em Santo André. Eles moram na favela do Parque João Ramalho e ganham R$ 12 por dia, quando conseguem juntar 18 quilos de papel. Conceição diz não saber o que é Peti, nem tem conhecimento de qualquer programa de ajuda à criança que trabalha. “O senhor escreve para mim o que é esse Peti, que eu vou na Prefeitura me informar.”




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