Setecidades Titulo Descaso
Passarela que é patrimônio do Estado é tirada em Rio Grande

Equipamento, interditado desde 2016, foi retirado para restauração, ainda sem data

Por Vanessa de Oliveira
Do Diário do Grande ABC
25/04/2018 | 07:00
Compartilhar notícia
Claudinei Plaza/DGABC


 Patrimônio histórico do Estado, a passarela metálica da estação ferroviária de Rio Grande da Serra foi retirada no fim de semana para restauração, após dois anos de interdição em razão do mau estado de conservação. Contudo, não há previsão de quando o trabalho será iniciado, já que a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) aguarda disponibilidade de recursos para contratação de projeto para realização do serviço.

A CPTM herdou o patrimônio da antiga SPR (São Paulo Railway), primeira ferrovia paulista, aberta em 1867, que impulsionou o desenvolvimento de São Paulo a partir da metade do século XIX, quando o café passou a ser o principal produto de exportação no Brasil e era escoado para o Porto de Santos pela ferrovia. As tipologias arquitetônicas refletem o modelo adotado pelos ingleses nas primeiras construções ferroviárias do Estado, com a introdução de novas técnicas, como a alvenaria de tijolos e o ferro fundido. O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) tombou a estação em julho de 2010.

A única informação para quem passa pelo local está em placa na qual se lê que a passarela está interditada para manutenção. “Não tem nada sobre prazos da obra, valor, nome da empresa, tudo fora da regra, que seriam as coisas às claras”, reclama o engenheiro civil Eduardo Vieira, 42 anos.

O assistente social José Soares da Silva, 57, também reclama da falta de informações acerca da remoção do patrimônio histórico. “Não respeitam o princípio da publicidade e da informação, não sabemos se tem projeto e as respectivas licenças para a intervenção.”

O Condephaat informa que aprovou projeto de acessibilidade para a estação ferroviária de Rio Grande da Serra em reunião no dia 11 de setembro de 2017. “A desmontagem da passarela metálica está prevista neste projeto e foi aprovada pela área técnica do Condephaat, uma vez que a passarela possuía problemas estruturais que poderiam colocar em risco a circulação de usuários, dos funcionários do local e também dos restauradores”, diz o Conselho. “O Condephaat entende que a passarela é um elemento de linguagem fundamental no conjunto tombado e colocou a ressalva de que a estrutura da passarela seja inserida novamente em uma reforma futura”, conclui o Conselho.

Além de declarar que aguarda recursos para a restauração, a CPTM afirma que trabalha para tornar todas as estações acessíveis. “A Estação Rio Grande da Serra está inclusa no lote de 34 unidades que terão os projetos de adequação de acessibilidade iniciados”, pontua. Reportagem do Diário, publicada em outubro de 2017, mostrou que o Estado estendeu para 2020 o prazo para conclusão das melhorias de acessibilidade nas estações da Grande São Paulo, que inclui a modernização das nove unidades da CPTM na região.

 

Sem a plataforma, passagem de pedestres volta ao passado

Com a interdição da passarela da estação ferroviária de Rio Grande da Serra desde março de 2016, a travessia de pedestres é realizada pela passagem em nível, junto à estação, um regresso ao passado.

Em horários de grande circulação de pessoas, os munícipes se aglomeram para aguardar a abertura da cancela que dará caminho após a saída do trem. Isso, porém, pode atrasar quem tem pressa ao ter de esperar a passagem de um trem cargueiro ou, na pior das hipóteses, o restabelecimento de alguma composição que apresentar problemas. “Dias atrás, um trem parou na via por problemas. Sem ter para onde ir, as pessoas tiveram que esperar por 27 minutos”, contou o engenheiro civil Eduardo Vieira, 42 anos.

Em Ribeirão Pires, onde a estação ferroviária também é tombada pelo Condephaat, dos quatro acessos disponíveis na passarela, um está interditado. A estrutura também sofre com falta de manutenção. “Em 24 anos que moro aqui, nunca vi nem ser pintada”, disse a aposentada Sandra Araújo, 58. A CPTM não informou sobre a possibilidade de restauro da plataforma e reforma da estação.

 

 

Medida é mais uma prova do descaso com os bens históricos

A modernidade tem sido ingrata. E a derrubada das passarelas em ferro fundido da Estação de Rio Grande da Serra é mais uma prova deste descaso com as marcas da história. Nem precisa entrar no mérito se o conjunto é ou não tombado. A estação deveria ser preservada no seu todo, simplesmente, integrando-se inteligentemente à paisagem da cidade, que na semana que vem celebra mais um aniversário.

Na década de 1940, com a eletrificação das ferrovias, passarelas como a de Rio Grande da Serra foram um obstáculo à passagem dos fios elétricos. Derrubar as passarelas seria uma solução. Mas por que desperdiçar equipamentos tão sólidos e bem construídos?

O que se fez? As passarelas foram desmontadas, construindo-se em suas bases muretas de alvenaria – e as passarelas foram erguidas sobre as muretas, sem dificultar a evolução tecnológica que aposentou as marias-fumaça. Setenta anos depois, Rio Grande da Serra segue os maus exemplos de São Caetano, Santo André e Mauá, simplesmente arrancando as passarelas do seu lugar.

Doutora Gisela Leonor Saar (historiadora da cidade, falecida em março) não viveu para ver essa agressividade toda. Que ao menos se dê o seu nome ao que restar do conjunto da Estação Ferroviária de Rio Grande da Serra. A sugestão de José Soares da Silva, o idealista Soares, o último a fotografar as passarelas intactas da sua cidade, e o primeiro a documentar mais esta desatenção à memória local deve ser apoiada.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;