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Festa dionísiaca na anistia de Zé Celso
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
10/04/2010 | 07:00
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José Celso Martinez Corrêa não perdoa nada. Em cerimônia do processo de julgamento de sua anistia, realizada na quarta, na sede do Teatro Oficina, na Capital, o diretor subverteu as formalidades do Estado e colocou o bloco das autoridades na festa dionisíaca que promoveu.

A "Caravana da Anistia", que desde 2001 passou a julgar os processos em locais diferenciados, pela primeira vez pôs os pés em um teatro. Pés descalços, por sinal, que era a ordem para entrar no recinto.

Zé Celso foi inocentado por unanimidade pelo conselho e recebeu o direito à pensão mensal de R$ 5.000, além de pouco mais de R$ 569 mil, retroativos a 5 de julho de 2001. Indenização pela tortura, perseguição e pelos anos que passou exilado por conta do regime militar brasileiro.

"Posso afirmar que a ditadura operou sobre mim e o Oficina, o que Glauber Rocha chamava de assassinato cultural. Eu e o teatro fomos socialmente assassinados. Tomo essa indenização não como algo pessoal, mas algo que é de um grupo de pessoas que sempre esteve comigo. Eu nunca fiz nada sozinho", declarou.

O evento começou às 14h, com sessão lava-pés de todos os integrantes da Caravana. Um diabo preto os conduziu pelas escadarias e os pés foram lavados por homens e mulheres trajando curtas túnicas, mais pelados do que vestidos.

Constituída a sessão ao longo do Oficina, alguns simbolismos deram entrada a um vídeo, que nem bem arrancou lágrimas de Zé Celso, parou de funcionar. O Hino Nacional tocou em samba, bossa e rock.

O relator do requerimento de anistia, Prudente Mello, ex-ator amador, a seguir, fez um discurso inflamado, em que citou os percalços vividos pelo fundador do Oficina, recheando de refrões como "caminhando e cantando e seguindo a canção", "tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu" e "podem me prender, podem me bater..."

Na hora do Zé Celso, a algazarra foi instaurada. Não pelos outros, mas pelo próprio, que já começou cantando "Tupy Or Not Tupy", uma adaptação da frase proferida por Oswald de Andrade. Depois, discorreu sobre a cultura indígena e o manifesto antropofágico. "Todos os dias eu faço duas coisas de índio: acendo um baseado e tomo guaraná em pó, que são para me equilibrar."

Elogiou Dilma, Lula, "o primeiro presidente antropófago do Brasil" e citou o embrólio com o Grupo Silvio Santos, que tem projetos imobiliários no entorno do Teatro Oficina que estão descaracterizando o bairro do Bixiga.

Sobre os momentos que viveu na ditadura, disse: "A grande experiência da tortura que eu tive foi depois de ser torturado. Olhei nos olhos do torturador e vi que ele é também gente. As pessoas cometem esses atos porque se deixam ser mandadas pelo sistema".

No final, declarou que tudo é bom, o problema é o ismo (sufixo de origem grega que designa teoria ou princípio artístico e também doença). "Capital é bom, capitalismo que é ruim. Ser homossexual é bom, homossexualismo é ruim."

Em breve coletiva de imprensa, entre a solenidade e a apresentação do espetáculo "O Banquete", de Platão, revelou o que fará com o dinheiro. "Vou ajudar o teatro, e cuidar dos meus vícios, que são caros, o vinho e a maconha. Também, como sou cardíaco, vou dedicar à compra de remédios."

A FESTA - Depois da saída de alguns engravatados, os outros poucos da comissão que ficaram, viraram os olhos nos momentos mais fortes da festa que virou o espaço na apresentação do clássico diálogo de Platão sobre Eros, deus do amor. O Banquete é uma ode aos amores livres e corpos nus.

Livre, livre, e com atestado de perdoado, Zé Celso, aos 73 anos, protagonizou um dos momentos de nudez do espetáculo. E não há o que ser perdoado, porque tudo no mundo de Zé Celso é apenas um constante exercício do uso de suas liberdades.




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