Cultura & Lazer Titulo
Entrevista afiada
Edgar Olimpio de Souza
Especial para o Diário
16/03/2008 | 07:10
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Ele cobriu a movimentação do subcomandante Marcos nas selvas mexicanas, reportou a violenta guerra civil em Ruanda, assinou matérias sobre o terrível vírus Ebola e repercutiu o assassinato do megatraficante Pablo Escobar, na Colômbia. Em sua vitoriosa trajetória, o jornalista Paulo Henrique Amorim,65 anos, foi correspondente no Exterior, passou por quase todas as emissoras de televisão, menos o SBT, e trabalhou em alguns dos principais veículos impressos brasileiros, como a Veja e o Jornal do Brasil.

Hoje, ele pilota o Domingo Espetacular, revista eletrônica da Record que alcançou 13 pontos de audiência em média no mês de fevereiro e anda fustigando a liderança do Fantástico. “É um programa com cabeça, tronco, membros, personalidade e estilo próprios”. Ele mantém ainda um blog no portal IG, o Conversa Afiada, trincheira onde exercita um jornalismo com total liberdade. “Se eu não chutasse o balde agora, não chutaria nunca mais”. Nesta explosiva entrevista, ele fala sobre a guerra pela audiência e desconstrói o jornalismo atual, acionando a sua habitual irreverência e língua ferina.

DIARIO – Como o senhor explica a boa performance do Domingo Espetacular no confronto com o Fantástico?
PAULO HENRIQUE AMORIM – Estamos crescendo um ponto percentual por mês, em cima do Domingão do Faustão e do Fantástico. E temos outro adversário forte, o Domingo Legal, do Gugu, no SBT. Somos uma equipe que trabalha 24 horas por dia, com apetite danado, disposta a fazer um programa que não é um anti-Fantástico, um clone ou outra versão. Somos o Domingo Espetacular, uma atração com cabeça, tronco, membros, personalidade e estilo próprios, vocação e assuntos específicos. As matérias não são intercambiáveis. Se colocarmos aqui as matérias do Fantástico será um desastre. Temos uma maneira particular de escolher os assuntos, narrá-los e editá-los. Mais um pouco e vamos superar a concorrência.

DIÁRIO – Como foi trabalhar no Fantástico?
AMORIM – Minha experiência foi peculiar porque eu morei seis anos e meio em Nova York trabalhando pela Globo, como repórter do Fantástico. Naquela época, a gente viajava muito, investia-se muito na produção das reportagens. Hoje o Fantástico não tem mais bala, a Globo está com menos munição na carteira. Por isso hoje a possibilidade de fazer matérias competitivas contra o Fantástico são muito maiores. O jogo ficou mais igual, embora a Record esteja gastando muito dinheiro com correspondentes e escritórios no Exterior. Mas só isso seria insuficiente na Globo de dez anos atrás.

DIÁRIO – Muita gente o critica por falar mal da Globo, onde trabalhou durante muitos anos. De acordo com essa visão, o senhor estaria cuspindo no prato que comeu...
AMORIM – Na evolução da humanidade, mudamos do regime da escravidão para o regime capitalista. No primeiro, o trabalhador era escravo do dono. No segundo, passou a ser assim: o dono me paga para eu trabalhar para ele, em troca de remuneração. Quando eu não quero mais trabalhar para ele, vou trabalhar para outro. E se ele não me quer mais, me manda embora e contrata outro. Quando trabalhei para o Roberto Marinho, ele não era meu dono e eu não era o seu escravo. Então recebi um convite para voltar para o Brasil para ganhar o dobro do que ganhava na Globo. Passei a ser editor-chefe e produtor de um programa no horário nobre, o Jornal da Band (1996-97). Por que tenho que trabalhar na Globo a vida inteira? Quem disse que a Globo é um bom emprego? Lá é uma prisão de segurança máxima. Ou você diz aquilo que o patrão quer ou é fuzilado.

DIÁRIO – Conte um episódio de pressão vinda da cúpula da Globo.
AMORIM – O Roberto Marinho queria fazer uma operação de exportação de casas pré-fabricadas, com um tratamento tributário especial. O ministro da Fazenda na época, Maílson da Nóbrega, impediu a operação, argumentando que seria lesiva aos interesses do País. Eu era editor de economia dos jornais da Rede Globo, dos jornais de rede. Fui proibido por ele de citar o nome Maílson da Nóbrega. Tinha de falar ‘o governo’, ‘as entidades fazendárias’, ‘as autoridades’ da área econômica. O próprio Maílson contou isso numa entrevista à Playboy.

DIÁRIO – Não tem medo de estar fechando portas? O senhor atira para todos os lados...
AMORIM – Acabei de renovar o meu contrato na Record e estou muito orgulhoso.

DIÁRIO – O sr. tem liberdade na emissora? Pode falar o que bem entende?
AMORIM – Quem manda na emissora é o empresário Edir Macedo. Conheço vários pastores, mas não há igreja dentro da Record. Nunca tive nenhum problema. A Universal está processando a Folha porque o jornal disse o que não devia e a igreja foi se defender (N.R.: a Folha reportou o império erguido pela Igreja Universal do Reino de Deus e suas vinculações com emissoras de TV, rádio e outras empresas). O Edir Macedo, que é líder da igreja e proprietário da Rede Record, resolveu fazer uma reportagem no programa em que eu trabalho. Como sou pago para trabalhar nesse programa, fiz disciplinadamente a matéria sem nenhum problema de consciência.

DIÁRIO – O seu blog Conversa Afiada é sua trincheira onde você fala tudo o que pensa?
AMORIM – Cada vírgula minha no blog tem uma mira, nada ali é gratuito. Eu critico a mídia dentro da mídia. Ali eu digo as coisas que estou com vontade de dizer. Acho que consegui, debaixo de muita porrada, preservar esse espaço que tenho hoje. Conhece a história do Rubem Braga? Era colunista da revista Manchete. Um dia ele foi pedir aumento ao Adolfo Bloch, que respondeu: ‘Você escreve isso aí em meia hora’. Aí o Rubem disse: ‘Eu escrevo isso aí em 40 anos e meia hora’. Eu tenho essa liberdade porque estou na estrada há quase cinco décadas. Entrei numa redação de jornal aos 17 anos, estudante de colégio, para ser foca na renúncia do Jânio. Estou lutando para ter minha independência dede 1961. Se eu não chutasse o balde agora, não chutaria nunca mais.

DIÁRIO – A Record clona a grade Globo?
AMORIM – Vou contar o que o Boni me disse. Ele montou a grade da Globo de acordo com o horário de funcionamento do brasileiro. Aqui em São Paulo nada disso conta porque tem o problema do engarrafamento. Quem fez uma grade de programação de maneira mais inteligente foi a Rádio Nacional. Ou seja, novela, noticiário, novela, minissérie, programa de música, criança de manhã, ginástica. Da forma como funciona o relógio do brasileiro. E o Boni levou o formato para a Globo. E você vai dizer que a Record está copiando da Globo?

DIÁRIO – A televisão feita hoje te agrada?
AMORIM – A minha resposta é comprometida porque eu trabalho na televisão. O que posso dizer é que o Domingo Espetacular é um programa muito bom, que tem resposta de audiência crescente e trata os assuntos com qualidade. Estou muito satisfeito. Não posso julgar o Jornal Nacional e o Jornal da Record. É como se você me pedisse para julgar o Campeonato Carioca depois de o Fluminense ganhar de 6 a 0 com aquele golaço do Dodô.

DIÁRIO – De onde vem o humor e a língua solta?
AMORIM – Eu sou um carioca.



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