Cultura & Lazer Titulo
Gigante pardal
Por Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
24/10/2011 | 07:00
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Detalhando a história da mais célebre cantora francesa, "Piaf - Uma Vida" (Editora Leya, 392 pág., preço médio R$ 45), da escritora australiana Carolyn Burke, tenta pôr pontos e vírgulas em todos os capítulos da carreira pessoal e artística de Edith Piaf.

As polêmicas, inclusive as que a cantora ajudava a semear, são investigadas a partir de entrevistas dadas por Edith, registros do período e depoimentos de pessoas que conviveram com a artista.

Filha de cantora e contorcionista, criada entre um bordel, a itinerância e os bairros proletários franceses, a dama da chanson réaliste, cujas palavras davam luz à vida ordinária dos amantes, cafetões e prostitutas das áreas menos nobres de Paris, fez a vida, logo que parou de cantar nas ruas - prática comum no período -, nesse pernicioso ambiente, no qual se submetia aos mandos e desmandos do seu protetor.

‘La Môme', como inicialmente ficou conhecida por conta da baixa estatura (1,42 metro), desde cedo chamava atenção por conta do vozeirão que alcançava longas distâncias sem aparato algum. O tempo e o refinamento a firmaram como ‘Piaf', gíria que designa pardal. Com talento nato para dar vida às suas interpretações, alternando ritmos, acentuando o sotaque e falando a gíria do seu público com seu aveludado vibrato, ela conquistou não só a gente de Pigalle (bairro boêmio francês), mas a elite do seu país e posteriormente o mundo todo.

De cantora que sabia se arranjar e ganhar mais trocados que o pai durante suas apresentações na rua, aos poucos Edith foi trocando os trajes rotos pelos clássicos e finos vestidos negros, levantando os braços para cadenciar os sentimentos. Ela, que no início não sabia nem acompanhar o músico, no fim era talentosa compositora, que assinou, entre as quase cem canções que escreveu, a célebre ‘La Vie em Rose'.

Seu maior talento, muitos dizem, era a joie de vivre, sua alegria em viver, em cantar. O último monstro sagrado da música francesa, Charles Aznavour, um dos talentos que Edith inspirou e ajudou a moldar, destaca em Edith, além do talento, a risada anárquica, da qual faz décadas que ele afirma sentir saudades.

EPISÓDIOS
Acostumada a cantar em casas onde prostitutas batiam ponto, Edith teria vendido seu corpo uma única vez, em ato de desespero. Aos 19 anos, sua filha Cécelle morreu de meningite. Sem dinheiro para enterrá-la, a cantora coletou dinheiro com os amigos, mas ficaram faltando dez francos. Abordada por um homem que perguntou quanto custaria ir para cama com ela, ela disparou: "dez francos".

Posteriormente, em entrevista, a cantora disse que ao chegar ao hotel desabou em lágrimas e o homem lhe deu o dinheiro sem exigir o serviço. Em versão contada por seu amigo da época, Berteaut, Edith se vendeu ao homem e recebeu quantia maior do que os dez francos. Ela própria confirmou isso anos depois, e então foi instigada a dizer que o homem sentiu pena dela.

Edith atravessou a ocupação de Paris pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial e ajudou dezenas de judeus, abrigando-os a salvo dos anti-semitas. Durante o período, ela viajava entre a França e fazia apresentações na capital, com algumas censuras às canções que eram dedicadas aos soldados franceses.

Em 1958, ela sofreu dois acidentes de carro. Como sequela, carregou a dependência em morfina pelo resto da vida. Ela morreria cinco anos depois, aos 47, com problemas no fígado e uma grave artrite, após vários comas e uma hemorragia interna inestancável, tal qual sua busca pelo amor, que ainda não estava completa com seu último marido, o cantor Théo Sarapo, que morreu em 1970 sem se ver livre das acusações de ter se casado com Edith, que era 20 anos mais velha, para aproveitar-se dela.

O seu trabalho e o rigor a serviço do talento, sem artificialismos, estão registrados em suas canções. E endossados pelo livro. Em época tão desprovida de verdadeiros artistas, conhecer a história de Edith é um alento.




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