Cultura & Lazer Titulo
HQ El Gaucho traz episódio da história argentina
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
05/07/2006 | 09:27
Compartilhar notícia


Há uma afinidade tremenda de Hugo Pratt (1927-1995) com a América do Sul e com Milo Manara, 60 anos. Ambos são italianos, mestres na narrativa seqüencial de histórias em quadrinhos. Pratt, é natural de Rimini, terra natal do cineasta Federico Felini, de quem Manara desenhou o roteiro de Viagem a Tulum. Manara tem um traço inconfundível e erótico com suas personagens femininas, Gullivera em particular, mas neste caso, é um sidekick de peso, pois foi um discípulo atento destes dois mestres, e nem esconde isso. Pratt entrou para o Hall da Fama dos quadrinhos ano passado, e sua série do aventureiro Corto Maltese eleita por um júri francês especializado este ano como a HQ do século.

São credenciais suficientes para apresentar os autores da saga El Gaucho (Conrad, 142 págs., R$ 39 em média), que chega ao Brasil em português em edição que apresenta esboços aquarelados por Pratt.

Lançada em 1991 no original italiano, El Gaucho se passa na Argentina, com os movimentos pela independência da América do Sul como cenário principal. É nos pampas que começa a história, retratada como um trecho extraído de um álbum de recordações.

Um grupo de soldados chega a um acampamento indígena semi-abandonado, por volta de 1887. Um centenário homem branco, que vive como índio, surpreende os oficiais, que mandam que um escriba da tropa escreva seu relato. O índio de olhos azuis é um inglês, Tom Browne. Ele conta a história a partir de seus 17 anos, quando era o jovem que tocava o tambor dos fuzileiros navais ingleses. Estava a bordo da frota inglesa que desembarcaria em Buenos Aires para influenciar no processo de independência, apoiando a aristocracia local contra os espanhóis. Apaixonado pela prostituta irlandesa Molly, líder de um grupo que atende os oficiais nos barcos, conhece em terra a jovem Aureliana. Amor em tempos de guerra que não é páreo para os canhões.

Manara capricha no expressionismo e condiciona sua marca erótica a situações limites – luxúria e estupro. Goya é também uma influência nas cenas de violência.

A intriga política não passa despercebida por Pratt, nem os elementos formadores do continente como os escravos negros e os índios. Há até citações a judeus marranos (judeus provenientes da Espanha) de quem o próprio Pratt descende por parte da avó materna. Mas a luta libertária nem é tão fundamental para Pratt, que faz em El Gaucho uma poética e trágica elegia da vida humana, com personagens tão densos quanto efêmeros.

Pratt viveu na Argentina de 1949 a 1959, e esteve no Brasil na Amazônia e no Mato Grosso. Seu pai foi soldado italiano de Mussolini capturado por ingleses em 1941 e morto na prisão no ano seguinte. Pratt morou com sua mãe na Abissínia (atual Etiópia), foi confundido pela SS nazista na Itália em 1944 com um espião sul-africano, e em Veneza, depois da guerra, produzia espetáculos para as tropas aliadas. Em 1945 começou a atuar desenhando e roteirizando histórias em quadrinhos.

Os anos que viveu na Argentina, as viagens pelo continente e sua experiência anterior de aventuras serviram-lhe de base para criar sua história principal, o marinheiro aventureiro Corto Maltese, nas quais cita passagens de Joseph Conrad, Herman Mellville e Jack London, influenciado por outros dois mestres, Will Eisner e Milton Caniff. El Gaucho é mais recente, mas cheia de reminiscências dessa época, com um certo carinho.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;