Setecidades Titulo Detenção
Condenadas à solidão,
tristeza e abandono

O cerco fechado ao comércio de drogas exige que traficantes
usem outras mãos de obras; mulheres se tornaram uma opção

Rafael Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
14/04/2013 | 07:00
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O Grande ABC registrou 224 casos de tráfico de drogas em suas delegacias no primeiro bimestre do ano, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública). São três ocorrências a mais no mesmo período em relação a 2012. O cerco fechado ao comércio ilegal de drogas exige que os traficantes usem outras mãos de obras. E as mulheres se tornaram uma opção considerável.

Das 100 detentas que se encontram encarceradas na Cadeia Feminina de São Bernardo, localizada no 7º DP (Taboão), a única do gênero na região, 60% foram detidas por tráfico. É o caso de Vanessa (nome fictício), 25 anos. Vinda do distante bairro de Guaianazes, na Zona Leste da Capital, foi flagrada em uma casa do bairro Alvarenga apontada como depósito de entorpecentes há um ano e oito meses. Desde então, viu apenas uma vez sua filha de 6 meses, graças à única visita que recebeu no período, de uma amiga.

Vanessa é o retrato melancólico da maioria das detentas da Cadeia Feminina. Junto dela, as companheiras se espremem em um espaço onde cabem apenas 32 mulheres. O Diário visitou a carceragem na última semana e encontrou um prédio com problemas estruturais, falta de colchões, banheiros sujos e ambiente propício à propagação de doenças.

Todas as sextas-feiras elas recebem atendimento médico, em um convênio firmado com a Prefeitura. E o levantamento é desanimador: foram diagnosticadas 120 doenças diferentes, de pneumonia a escabiose e até problemas psicológicos.

"Temos a expectativa que o governo estadual cumpra o prometido em um curto espaço de tempo", disse o delegado Paulo Gilberto Negrão, titular do DP e responsável pela cadeia. Refere-se ao fechamento de carceragens em delegacias promovido pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), transferindo os presos para centros de detenção provisória, administrados pela SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), deixando, assim, de serem responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública.

A promessa era de que a região teria suas presas transferidas até o meio deste ano. Mas a resposta é desanimadora. O plano de expansão do sistema, que prevê 49 unidades e 39 mil novas vagas não contempla um CDP feminino no Grande ABC.

Por enquanto, Negrão atua para manter a lotação estabilizada. Novas detentas são transferidas para as unidades de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e Tremembé, a 147 quilômetros da Capital. "Nosso objetivo é garantir que elas tenham as mínimas condições até que sejam sentenciadas", disse Negrão.

Não há na cadeia são-bernardense mulheres condenadas na Justiça. Por isso, dentro das limitações, diz garantir algumas regalias, como recebimento de correspondência e entrega mensal do jumbo (mantimentos levados pela família) semanalmente. "O tratamento tem que ser mais humano. A mulher fica fragilizada e abalada com tudo o que acontece com ela aqui dentro."

 

Só 35% recebem visita de familiares - "Temos que nos ajudar aqui dentro, não tem outro jeito." Sílvia (nome fictício), 27 anos, é uma das privilegiadas que recebem visitas semanalmente na cadeia. Presa há quase dois anos acusada de participar de um sequestro, tem uma filha de 2 e revela que o jumbo levado pelos familiares é dividido entre todas dentro da cela.

O abandono familiar da maioria, para ela, é explicado de maneira simples."Os homens têm visitas aos finais de semana. A gente é de quarta. Nossos parentes têm de faltar a serviço para poder nos ver", disse. Somente 35% das detentas recebem visitas na cadeia. Isso porque a maioria delas é de São Bernardo, São Caetano e Diadema. As outras quatro cidades da região já fazem a transferência automática para a Capital, para evitar a superlotação.

É entre elas também que é decidido onde cada uma dormirá. Com três triliches, são duas por colchão. As novatas vão para o chão. Diferentemente de outras cadeias, em São Bernardo o banho de sol é constante, por ser ambiente aberto. O espaço, mesmo que disputado, ainda é uma rara vantagem.

Devido à faixa etária baixa, já que 90% delas têm entre 18 e 30 anos, a reincidência atual é de apenas 15%. Delegado há 23 anos, Paulo Negrão cuidou de cadeia feminina na Capital, no início dos anos 1990, e vê uma mudança considerável de perfil entre as detentas. "Antes, pode se dizer que a mulher era profissional do crime", disse. "Hoje a grande maioria é eventual."

Sílvia personifica esse comportamento. Dizendo-se arrependida, quer cursar uma faculdade de gestão bancária quando deixar a cadeia. "Tenho planos para a minha vida", disse, pensando na filha. "Quando vim para cá ela ainda era um bebê. Estarei aqui quando acontecer as coisas na vida dela."

 

Convênio com Prefeitura deve garantir cursos - O delegado Paulo Negrão garante estar perto de firmar uma parceria com a Prefeitura de São Bernardo para oferecer às detentas da Cadeia Feminina cursos profissionalizantes de cabeleireira e manicure, além de oferecer o serviço do EJA (Educação de Jovens e Adultos) para aquelas que tenham interesse em retomar ou completar os estudos.

Uma sala do local já está disponibilizada para o serviço e, segundo Negrão, falta apenas uma resposta da Secretaria Municipal da Educação para que as aulas tenham início.

Em épocas anteriores, quando o local chegou a contar com 200 detentas, foi oferecido trabalho renumerado, mas o benefício foi suspenso há cerca de dois anos, quando o Poder Judiciário chegou a interditar a cadeia por causa da superlotação existente.

A chance de voltar a estudar e aprender uma profissão é bem recebida entre as detentas. "A gente não tem nada o que fazer aqui. Ficamos paradas o dia inteiro", disse a detenta Vanessa. A rotina é semelhante todos os dias. As detentas contam com chuveiro elétrico e televisão, parte do tratamento humano destacado por Negrão, mas as dificuldades são constantes. Como dormir. Além da divisão de camas, elas reclamam da qualidade do colchão. "Parece um lençol", disse uma delas. "Para ter um bom, só se a família trouxer."

O delegado garante que faz pedidos para a compra de colchões novos. Por enquanto, sabonete, pasta de dente e absorventes são os únicos itens recebidos constantemente. Também está na mão do Estado a reforma do prédio, com infiltrações e outros problemas. "A Prefeitura já ofereceu, mas como vou fazer qualquer coisa lá dentro sem tirar elas", apontou Negrão, esperando pela solução.




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