Cotidiano Titulo Coluna
Irmãos distantes
Rodolfo de Souza
07/05/2020 | 00:01
Compartilhar notícia


Atendendo à sugestão de meu irmão, aquele que se habituou a sugerir temas para esta coluna, decidi que era momento de falar um pouco sobre nosso outro irmão, o mais velho, que, há muito, correu para outras paragens em busca de novos horizontes. Claro que seu endereço não facilita muito o contato pessoal, o que fez com que perdesse a conversa descontraída, a risada, o deboche, coisas tão habituais em família que aprecia sobremaneira uma chacota que, verdade seja dita, acaba por aproximar as pessoas.

Mesmo assim, o sentimento de união permaneceu. Até porque, em tempos de pandemia todos estamos distantes. É um calvário, sobretudo, para o brasileiro, acostumado com os efusivos apertos de mãos e abraços calorosos. Como fazê-lo entender que é momento de se aquietar e só promover churrascos virtuais? Como conscientizá-lo de que a cerveja deve ser bebida na solidão? Só por Deus!

E somos mesmo assim, raça festeira, para quem qualquer acontecimento é merecedor de uma celebração. Por isso, aguardamos que tudo passe para rever amigos e irmãos, a despeito dos muitos que se foram para mais longe, para além dos muros desta vida de parco saber. Falo dos que partiram, às vezes, levados pela ventania do mal que se abateu sobre o mundo. Como aconteceu com o grande compositor Aldir, que deixou vasta obra, que ficará nos corações das pessoas que amam tudo que há de melhor nesta terra, a sua arte.

Falo de um irmão que ficou um pouco mais distante de nós. Assim como Elis que ouço agora na TV, entoando a célebre canção do Aldir. A matéria jornalística, aliás, não perdoa e judia do coração que amou e que ainda ama a obra escrita e cantada dessa gente. 

Inquieta saber, inclusive, que a cultura brasileira, sempre tão grande, tão diversa, vai aos poucos se esvaindo de seus maiores valores: Aldir, Morais... E infelizmente não consigo vislumbrar nada que se compare em dias atuais. Talvez os tempos modernos tenham ousado demais na tentativa de sofisticar a inspiração que, na verdade, se alimenta das coisas mais simples e ricas da vida.

E, diante de perdas como estas, não posso me furtar do dever de lembrar que meu irmão palpiteiro sempre amou a música, principalmente a brasileira. Deve ter sofrido com mais essas partidas, sem dúvida.

Quanto aos que se foram, mas para outros cantos deste mesmo mundo, resta-nos a esperança de reencontrá-los qualquer hora destas, assim que o transtorno epidemiológico passar. Diga-se de passagem, às vezes penso que o vírus tenha vindo para mostrar ao ser humano que há algo mais poderoso que suas armas, que ora aponta para o território daquele que lhe é igual em tudo, até na extrema soberba.

Há certas horas nesta vida que, como dizia minha mãe, dá mesmo vontade de enfiar a viola num saco e dar no pé. Mas para onde? Talvez para Pasárgada, a despeito da vontade nenhuma de ser amigo do rei.

Acho que bom mesmo é sossegar o facho e aquietar o meu coração que pensa muito, contrariando a lógica que proíbe coração de pensar. Além do mais, aqui está a tecnologia para aproximar os irmãos que ainda estão ao alcance dos satélites. 

Consanguíneos ou não.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;