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Elke Maravilha solta o verbo entre o sagrado e o profano
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
17/06/2005 | 08:21
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Elke Maravilha está de volta ao Grande ABC. Quando foi casada com Roberto Lazzuri, ex-proprietário da antiga casa noturna de São Bernardo Emerald Hill, nos anos 80 e 90, ela era freqüentadora assídua da noite na região. Foi modelo e atuou em cinema e minisséries de TV, mas é mais conhecida como jurada dos programas de TV Show de Calouros, de Silvio Santos e Cassino do Chacrinha, de Abelardo Barbosa (1917-1988). Nesta sexta, ela mostra sua face de cantora e declamadora de poemas, com o mesmo estética exagerada que a consagrou. Elke apresenta em Santo André o espetáculo Do Sagrado ao Profano, no Teatro Municipal, às 21h.

Nascida em 1945 na então União Soviética, em Leningrado (atual São Petersburgo), filha de mãe alemã e pai russo, Elke Grunupp veio ao Brasil com 6 anos para morar em Itabira, Minas Gerais, terra natal de Carlos Drummond de Andrade. Como modelo, desfilou para a estilista Zuzu Angel, quando em 1971 foi enquadrada na LSN (Lei de Segurança Nacional) e perdeu a cidadania brasileira. Como atriz, fez entre outros filmes Xica da Silva, de Cacá Diegues. Mas foi na bancada de jurados dos programas do Chacrinha que seu nome – e apelido – ficaram conhecidos. São 35 anos de carreira (11 filmes, dez peças teatrais, duas novelas, dois programas de calouros e um talk show).

As músicas do espetáculo vão de Villa Lobos ao folclore russo, de Antonio Nóbrega a Falcão, do folclore afro-brasileiro à gênese do samba. Entre os poemas, ela declama Elegia, de Drummond, Tirania (texto de Etienne de la Boetie, do século XV), e trechos do Apocalipse, de São João. Finaliza com a música Quem Canta Seus Males Espanta, de Itamar Assumpção (1949-2003), músico e compositor que trabalhou com Elke nos dois últimos anos de vida. A seguir, impressões da artista em entrevista ao Diário:

ESPETÁCULO
“Jurada eu não quero ser mais. Ficar velho é bom, mas ultrapassado não. Olhar para trás – é bíblico – vira estátua de sal. Deu um estalo quando fui fazer o show de inauguração de uma casa em São Paulo. Os músicos eram tão bons que surgiu a idéia de montar o espetáculo. Não é um show popular nem pra pular. É denso, é para pensar. Canto e declamo coisas que têm a ver com minha afetividade. Tem coisas que digo no dia a dia que vou salpicando no momento. Tem também esquetes sobre coisas que aconteceram na minha vida com fãs, por exemplo. É a parte engraçada do espetáculo. Um dos músicos faz a Elke e eu faço outra personagem. É um espetáculo bem variado como eu sou, porque eu sou o sagrado e o profano.”

TV E PALCO
“Não tem nada a ver com minha estética e minha ética. O momento está difícil para fazer TV. Gosto de humor, mas tem de ter inteligência. Estão muito preocupados com a cintura para baixo, e não com a cintura para cima. Tem coisas legais, mas tem muito entretenimento, falta arte. Minhas lombrigas artistas estão satisfeitas com esse espetáculo.”

CHACRINHA
“A TV brasileira copia tudo dos Estados Unidos. Sabe o que era brasileiro mesmo? O Chacrinha. O Brasil na TV existiu com ele, aquilo era cultura popular brasileira. Vi gente vindo da Rússia, da Itália, dos Estados Unidos para estudar o Chacrinha. Os russos diziam que tinham os melhores palhaços do mundo, mas aquele humor não dava certo em TV. Vieram entender porque Chacrinha dava certo. Não chegaram a uma conclusão, porque um gênio não se explica. Nós, humanos, somos os únicos animais que não sabemos porque viemos ao mundo. O rato sabe, a minhoca sabe. Mas o Chacrinha sabia: ele veio para servir ao Brasil, à família, aos amigos. Ele botava a mão em você e você crescia. Quando comecei com ele, a gente viajava para fazer shows. Um dia ele me disse: ‘Elke Maravilha’ – ele só me chamava assim – ‘É muito bom você viajar comigo, mas você põe azeitona na minha empada. Está na hora de você fazer seus shows’. Quem no mundo do showbiz hoje estenderia a mão dessa forma? Não conheço ninguém.”

TALK SHOW
“Consegui ser respeitada, mas não podemos obrigar ninguém a nos amar. Foi bom fazer o Elke no SBT (em 1993), não pedi o programa. Me deram, aí tiraram. Tinha uma boa audiência, mas acho que saiu do ar porque mostrei um casamento gay.”

SILVIO SANTOS
“Genialidade não está ligada a grana, talento sim. Moedas antigas eram chamadas talentos. Chacrinha era gênio em tudo, Silvio Santos é talentoso. Tem pessoas que são espelhos melhores e outras não, mas são espelhos. Aprendi que a riqueza do dinheiro é uma armadilha do cac.... Pedro de Lara tem uma frase ótima, digna de Shakespeare com humor: “Tem gente que é tão pobre que só tem dinheiro.”

ALMA RUSSA
“A vida não é ter, a vida é ser, me preocupo muito com isso. Na Rússia, em cada duas frases é mencionada a palavra alma (pronuncia-se dunchah), não no sentido além da vida, mas de vida na terra, dever de casa. Na Rússia nunca te chamam pelo nome, só pelo apelido. Minha avó era Antonina, chamavam de Nina; meu pai George era Iuri; Alexandre era Sacha; Stalin significa homem de aço. Meu nome Elke é sueco, não tem apelido em russo. Minha avó me chamava de duchinka (alminha).”

APELIDO
“Quem me apelidou foi Daniel Más (autor da novela Um Sonho a Mais, 1985, e da minissérie Avenida Paulista, 1982). O Chacrinha lançou no ar e pegou. Já pensei em parar de usá-lo, mas ainda não tomei uma atitude. Tem outros maravilhas legais, como Fio Maravilha, Dadá Maravilha, que são maravilhosos mesmo. Mas tem gente que se apropria sem ser. Não dou autógrafo como Maravilha, só Elke. É assim que eu me chamo. Maravilha é como os outros me chamam.”

PRISÃO POLÍTICA
“Eu trabalhei como modelo para Zuzu Angel. Em 1971, eu estava no aeroporto e vi vários cartazes de “Procura-se terrorista” com o rosto de Stuart Angel Jones, o filho da estilista que estava desaparecido. Me deu uns cinco minutos e eu rasguei todos. Fui presa, enquadrada na LSN (Lei de Segurança Nacional), perdi a cidadania brasileira e fiquei uma semana presa. Ficaria um ano se não fosse a Zuzu arrumar um pistolão (conhecer alguém influente) na época para me tirar. Eu sei que veio a Lei da Anistia, mas se eu aceito seria o mesmo que confessar uma culpa, e eu não me sinto culpada. Tenho passaporte alemão, mas sou brasileira e pronto, não é um documento que vai afirmar isso.”

TRAVESTI
“Os travestis copiaram minha estética. Eu pareço um travecão porque as mulheres usam menos maquiagem, menos cabelo etc, e eu mais, mais, e os travestis também. Eu me divirto com isso. Hoje em dia as pessoas não se confundem tanto. Uma vez, eu e o Roberto (Lazzuri) fomos ao Paraguai. Os policiais da fronteira ficaram olhando para minha identidade, para mim. Pensaram que eu era travesti e o Beto, meu cafetão.”

FILHOS
“Sou casada há dez anos com Sacha (Cezar Altay, seu oitavo marido). Não tenho filhos, não é minha missão. Filhos são âncoras. Eu sou navio que vive à deriva. Sou igual bicho, responsável demais pelas crias. Gente é que não é. Que eu diria para uma criança de um mundo pautado e estrutrado em cima do ser humano negativo? O mundo não é correto, não saberia como ensiná-lo a viver neste mundo.”



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