Setecidades Titulo
Contadores de histórias levam vida e esperança
Por Camila Galvez
do Diário do Grande ABC
22/11/2010 | 07:10
Compartilhar notícia
Fernando Nonato/DGABC


 

Os quatro viajantes e suas malas rústicas entram no quarto de Iriana Aparecida Farina Silva. "Eles acabaram de descer de um trem e vieram contar histórias para mim."

Iriana,48, está internada no Hospital de Ensino Padre Anchieta, em São Bernardo, há um ano e quatro meses. Ela sofre de ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença do sistema nervoso que não tem cura. Respira por meio de um oríficio na traqueia, procedimento conhecido como traqueostomia. É a paciente que mais anseia pela visita dos ‘viajantes'.

Ana Maria Blumetti, 26 anos, Ana Carolina de Souza Alencar, 23, Fernando Towata, 23, e Paulo Henrique Barbosa, 21, são futuros doutores. Estudam na FMABC (Faculdade de Medicina do ABC) e fazem parte da primeira turma de contadores de histórias do Projeto Sorrir é Viver, formada neste ano.

Para Iriana, porém, eles são apenas os viajantes. Isso porque sempre carregam uma mala, na qual guardam as histórias e experiências que compartilham com seus atentos ouvintes, sejam eles pacientes de hospitais do Grande ABC ou moradores de asilos e orfanatos. A de Ana Maria, por exemplo, era de seu avô, hoje com 100 anos. "Ele a usou quando veio da Itália", conta.

A de Carol não é tão viajada assim: foi comprada na Praça da República, em São Paulo, e estampa a figura de Charles Chaplin. "Ele é minha fonte de inspiração", diz.

Tempo

Iriana tem companhia no quarto que ocupa. Rosalina Martins Ferreira, 73, está com a doença de Chagas, herança dos tempos de infância vividos em casa de pau a pique, no interior de Minas Gerais. Os olhos de ambas se fixam em Fernando enquanto ele declama O Tempo, poema de Mário Quintana. É o preferido de Iriana. Rosalina ouve pela primeira vez.

Há dez dias internada, ela tem esperanças de voltar logo para casa. Sua fé fica evidente quando o agora ouvidor de histórias pede: "Conte algo para nós, Rosalina".

Com a voz baixa e entrecortada pelo som da respiração de Iriana, Rosalina responde emocionada: "O que eu tenho para falar é da minha fé em Deus e da capacidade que tenho de amar. É isso que vocês trazem para gente, um pouquinho do amor de vocês".

Os futuros médicos saem em busca de novos pacientes, mas deixam a porta aberta nos corações de quem passou pela experiência. "Espero que eles voltem logo", torce Iriana.

Visitas ajudam no tratamento e mudam rotina

O Projeto Sorrir é Viver é mais conhecido pelos cursos de formação de clowns, que tem como principais objetivos a humanização do médico e a transformação do ambiente hospitalar. Inspirado nos Doutores da Alegria e na experiência do médico Hunter Patch Adams, formou seis turmas desde 2005, ano em que foi criado por estudantes da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC).

A narração de histórias é novidade no projeto: os primeiros alunos passaram por seis meses de aulas neste ano, de março a outubro, e desde então estão viajando pela região carregando malas cheias de letrinhas e mentes repletas de ideias.

Para a coordenadora de enfermagem do Hospital de Ensino Padre Anchieta, Márcia Mazotti, ouvir histórias auxilia no tratamento dos doentes, principalmente em casos de internações longas. "A alegria dos contadores é contagiante e os pacientes ficam mais motivados para enfrentar os desafios impostos pela patologia", garante.

Eles não são os únicos beneficiados por esses jovens vestidos de preto, com boinas na cabeça e suspensório colorido. Márcia comenta que os funcionários também esperam pela chegada dos jovens contadores de histórias. "O hospital sai da rotina, ganha mais vida, mais som. O ambiente muda e isso faz bem para todos", afirma.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;