Economia Titulo
Metalúrgicos demitidos pela crise se sentem sem rumo
Por Javier Contreras
Do Diário do Grande ABC
02/02/2009 | 07:00
Compartilhar notícia


O que uma onda de calotes no mercado imobiliário ocorrida ano passado nos Estados Unidos tinha a ver com qualquer um de nós, brasileiros? Aparentemente nada. Afinal, os próprios brasileiros também enfrentam seus problemas na luta cotidiana para comprar seu imóvel, "um teto", como é dito popularmente. É o caso da metalúrgica Terezinha Marta da Silva, 44 anos, que durante seis anos vem pagando prestações de R$ 320 para quitar a compra de seu apartamento. Enquanto ela trabalhava duro para manter a casa e a educação de seus dois filhos, com um salário de R$ 900, o cenário econômico mundial, ainda nebuloso à época, foi sendo forjado por muitos dados, números, balanços e previsões, lançados por governos e economistas do mundo todo. "Eu nunca imaginei que aquilo tudo que via na televisão pudesse chegar na nossa vida", reflete. Ela não sabia, mas a falência de grandes bancos de que nem ela nem quase ninguém havia ouvido falar acabou por se tornar o primeiro sinal do colapso do sistema financeiro mundial. Finalmente chegou-se a um denominador comum: o planeta estava passando por uma grave crise econômica.

"Mas o que eu e minha família temos a ver com isso?", questiona-se Everaldo Pereira dos Santos, 38, ao lado de seus quatro filhos e da mulher. Muito. Principalmente por ele atuar por mais de quatro anos numa indústria responsável por produzir peças para o setor automotivo, como anéis de rolamento e pinos de pistão. Empresas desse tipo existem aos montes no Grande ABC e são a força-motriz, fornecedores terceirizados de todos os componentes dos veículos produzidos por multinacionais automobilísticas, como a GM, a Ford, a Volkswagen e a Mercedes-Benz. Geram milhares de empregos na base da pirâmide na cadeia produtiva de veículos que tem no topo essas montadoras, que alavancam a economia do Grande ABC desde meados da década de 1950.

Foi justamente essa estabilidade da indústria automobilística que fez Tatiane Araújo de Souza, 25, tentar a todo custo entrar em uma dessas multinacionais. Em abril do ano passado, finalmente ela conseguiu. Largou o emprego estável em uma indústria têxtil por um contrato por tempo determinado de um ano na GM, em São Caetano. É operadora de produção. "O meu sonho sempre foi trabalhar numa empresa de porte para ter condições de ajudar minha família".

Mas o sonho de Tatiane durou nove meses. Desde o dia 20 de janeiro ela está em férias remuneradas junto a 1.250 outros trabalhadores da GM. Terezinha e Everaldo não tiveram a mesma sorte: foram demitidos no mês de janeiro.

Os dois, que ainda não receberam nem rescisão nem fundo de garantia, não conseguem nem sacar o seguro-desemprego. "O sindicato entrou com recurso e só esperamos que não parcelem muito o que nos devem", diz Terezinha. Ela, que já atrasou a prestação do apartamento este mês, conta, emocionada, que seus filhos choraram quando ela contou a notícia da demissão. "Meu filho ficou muito abalado porque não quer abandonar a universidade. Eu não vou deixar que isso aconteça. O sentimento é de muita tristeza e preocupação, mas não vamos perder esse jogo", afirma ela, enquanto faz as unhas de uma cliente. Terezinha, agora, é manicure. Persistente, fez vários cursos na vida, o que lhe ajuda hoje em dia. Já Everaldo não fez curso nenhum, mas a vida encarregou de lhe ensinar vários ofícios, como pedreiro e pintor. "Estou pegando qualquer bico desses. Mas está difícil". Dá pra perceber o constrangimento do metalúrgico quando conta que teve de pedir R$ 50 emprestados para comprar comida. "Todos sabem do meu caráter e eu sinto, sim, vergonha em ter de pedir. Há dez anos estou na metalurgia e quero voltar pra ela", diz.

Tatiane, que além de trocar de emprego, também trocou o curso de Pedagogia pelo de Tecnologia de Processo de Produção para crescer na GM, vê uma luz no fim do túnel. "Eu vou voltar ao meu trabalho". "Se Deus quiser", fala a mãe logo ao lado. É rezar pra ver.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;