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Profissionais da saúde: fé e coragem

Ter autocontrole é essencial para os trabalhadores que estão na linha de frente no tratamento de pessoas infectadas pelo novo coronavírus

Vinícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
03/05/2020 | 00:01
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DGABC


Assim como a de tantas pessoas, a vida de Kátia Regina Galerani, 40 anos, de São Caetano, mudou um bocado de um tempo para cá. Há cerca de um mês ela tem tido de superar diariamente a saudade da filha, a pequena Maria Rita, 9, e da mãe, Fátima Maria Milani Galerani, 63. Isso por causa da chegada da pandemia do novo coronavírus, que mudou completamente a rotina da técnica de enfermagem, profissão que exerce há 14 anos e agora, diferentemente dos anos anteriores, lida com inimigo que ainda está em estudo, o causador da Covid-19, o qual tem enfrentado de perto nos plantões do Hospital Municipal Maria Braido, em São Caetano, onde trabalha há três anos.

Kátia acorda por volta 5h, toma banho, se arruma e entrega mais uma jornada de trabalho à Deus. Pede sua proteção e segue seu rumo. No hospital, a primeira coisa que faz é lavar as mãos. Em seguida toma café da manhã com seus parceiros da labuta e aproveita para colocar um pouco da conversa em dia antes de pegar no batente. Sua rotina sofreu profundas alterações. Se antes o trabalho acontecia de segunda a sexta, agora passou para plantão dia sim, dia não, o chamado ‘12x36’. 

Welington Henrique Lopes, 39, parceiro de trabalho de Kátia, também viu sua vida mudar com a chegada da pandemia, principalmente por ter de enfrentar um inimigo muito desconhecido. Trabalha no mesmo hospital que Kátia há sete anos. Sua jornada é diária. Acorda também às 5h, toma seu banho e vai para o trabalho. Na hora do café da manhã, encontra momento para desabafar e descontrair. “Recebo o plantão do colega, posteriormente separamos os pacientes entre os técnicos de enfermagem, me paramento e começo a rotina de avaliação dos pacientes internados na UTI (Unidade de Terapia Intensiva)”, explica.

Tanto ele quanto Kátia, quando começam seus plantões, precisam fazer a paramentação completa. “Usamos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) como toucas, aventais, protetor facial, óculos, luvas, sapatos fechados e levamos, em média, cinco minutos para nos paramentarmos”, explica o enfermeiro.

Os plantões são tensos. Lopes trabalha com equipe multidisciplinar que conta com enfermagem, médicos, fisioterapeutas e pessoal de apoio, por exemplo. “Devido a complexidade dos pacientes utilizamos vários equipamentos (ventilador mecânico, máquina de hemodiálise, entre outros). O enfermeiro é responsável pelo gerenciamento e o bom andamento de todo o processo, além da assistência de enfermagem”, afirma.

A vida de Kátia também não tem moleza. Depois de paramentada, a técnica de enfermagem verifica sinais vitais dos pacientes, observa se há instabilidade hemodinâmica dos doentes e quais medicações que estão sendo utilizadas na bomba de infusão, “Anotamos todos dispositivos que estão nos pacientes, ficando sempre atentos para qualquer possível intercorrência”, explica.

E no meio desta correria toda, é claro que há pausa para refeição e um cafezinho. Mas, e se der vontade de ir ao banheiro? Dá trabalho. “Muito difícil ir ao banheiro durante o uso da paramentação, mas, se necessário for, saímos do leito do paciente, tiramos os equipamentos de proteção e a cada etapa passamos álcool nas mãos, com muito cuidado pois a retirada dos EPIs é o momento mais possível que aconteça a contaminação dos profissionais”, explica Kátia.

Os trabalhadores revelam que sentem medo de tratar pessoas com a Covid-19, pois estão expostos aos riscos, apesar de todas as medidas e precauções. “Mas os pacientes que estão lá não têm culpa. E cuidamos mesmo com medo. Nós fizemos um juramento e vamos até o fim, fazendo tudo certo para não nos contaminarmos e sempre com Deus e os anjos da guarda com a gente”, destaca Kátia.

EMOÇÃO 

Um caso em comum deixou tanto Kátia quanto Lopes abalados. A morte de um paciente de 56 anos, colega de profissão, que havia acabado de se aposentar e deixou mulher e filhos. “Ver o sofrimento dos familiares, ainda incrédulos pela notícia me deixou com a sensação de impotência”, lamenta o enfermeiro.

Mas nem tudo é preocupação, estresse e tristeza. Lopes celebra sempre que vê a recuperação dos pacientes. Mas algo foi especial: “A evolução de um colega de trabalho me trouxe carga maior de emoção”, revela.

Kátia também se emociona quando vê pacientes curados indo para casa. “Isso é uma enorme bênção e satisfação. Uma emoção foi ler a carta do filho para a paciente, encheu nossos olhos de lágrimas ao transmitir todo seu carinho, já que não podia estar presente ao lado dela”, revela.

Para seguir nesta luta, de ajudar com que infectados pela doença consigam superar este momento e possam voltar aos seus lares, Kátia encontra forças em sua fé e em sua família. Com Lopes não é diferente, a fé o ajuda a ir adiante. “Acredito que toda crise tem um começo, meio e fim, tenho que acreditar nisso para seguir, ver os pacientes deixando a UTI após melhora do quadro tem nos motivados a continuar na luta enfrentando as dificuldades, os medos e incertezas”, diz ele.

Como não bastasse tantas coisas em comum entre os dois profissionais da saúde, o desejo de ambos para quando tudo passar é parecido. “Vou na casa de Deus, ajoelhar e agradecer por estar viva com minha família, que amo demais. E voltar a minha vida normal”, suspira Kátia.

Assim que tudo passar, Lopes também vai à igreja agradecer à Deus. Depois viajar para visitar seus pais e avós em Minas Gerais e “abraçá-los como nunca abracei, voltar a me reunir nas rodas de amigos, seguir com meus planos para o futuro”, encerra. Mas antes disso, ambos deixam um recado para todos. “As pessoas que puderem ficar em casa, fiquem. Estamos cuidando de vocês, cuidem de nós.”




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