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Fé mantém famílias em áreas de risco do Grande ABC
Vanessa Fajardo
Do Diário do Grande ABC
03/08/2009 | 07:00
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Mantidos pela fé. A religião é a maior aliada - talvez a única - de famílias que vivem na iminência de um desabamento a cada temporal, conhecem os riscos, mas não têm para onde correr. Enquanto a água infiltra provoca rachaduras e faz paredes cederem, para muitos a única alternativa de espantar o medo é rezar.

Nesse inverno, quando tradicionalmente a chuva dá trégua, os cerca de 250 mil habitantes do Grande ABC que moram em favelas enfrentaram uma situação peculiar: São Paulo teve o mês de julho mais chuvoso desde 1943. A Defesa Civil tem poucas ações preventivas nas áreas de risco e direciona os trabalhos quando os desastres ocorrem. O maior destaque da região está em Santo André, única do Brasil a ser certificada pela ISO 9001.

Sem respaldo ideal do poder público, há quem adote estratégias para se proteger das águas sazonais, como Leonardo Gomes, 49 anos, um dos fundadores da Favela Naval na parte de São Bernardo. Há 29 anos ele mora em um barraco sustentado por madeiras na beira do Ribeirão dos Couros. A impressão de é que os tocos podem desmoronar a qualquer momento.

Nem ele próprio confia na segurança. "Quando chove, saio de casa. Ninguém sabe o que pode vir com a chuva. Se o barraco tiver de cair, pelo menos me mantenho em pé." Depois de ver móveis serem levados por uma enchente que inundou o córrego, ele construiu uma espécie de mezanino no quarto, onde joga roupas e colchões assim que as primeiras trovoadas rajam o céu.

Na parte de Diadema, a história se repete. Em meio às madeiras, lixos e entulhos, resultado da demolição dos barracos das famílias que deixaram a área por causa das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), há gente sem perspectiva de ter uma moradia digna.

Caso de Inácio João de Santana, 31anos, desempregado, morador da Naval há cinco anos. O barraco construído com restos de madeira está na beira do Ribeirão dos Couros e quase foi levado pela enchente que atingiu a região no início do ano. O local construído precariamente é úmido e está rodeado por lixo, móveis abandonados, além de cachorros e pombos à procura de comida. "Me sinto como animal. É muito constrangedor morar aqui, no meio dos ratos, no cheiro ruim do córrego."

Mediante à situação, as duas filhas de Santana e a mulher voltaram para Pernambuco, terra natal da família. "Não tive condições de oferecer algo melhor a elas."

DESOLAÇÃO - Quem vive nos morros do bairro Alto da Boa Vista, em Mauá, compartilha a angústia. O barraco de Maria de Lourdes Diniz da Silva, 55 anos, sinaliza o desabamento: o mofo da parede da cozinha faz o cimento lascar, há goteiras e rachaduras por todos os lados, o terreno em que foi construído desbarranca um pouco a cada dia. "Tenho medo, mas fazer o quê? Quando chove, começo a orar para ninguém ficar desamparado. Só Deus mesmo para dar uma saída."

Lourdes mora com filho, cata papelão para sustentá-lo e conta que a maior preocupação está nas crianças que moram nos barracos debaixo do seu. "Já vivi muito. Posso morrer soterrada, mas eles não. São filhos da minha sobrinha, dois anjinhos (de 10 meses e 8 anos). Sempre que chove, penso neles e na minha cachorra que amo", diz, sem conseguir controlar as lágrimas.




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