Economia Titulo Crise
Inadimplência atinge 25,3% das famílias do Grande ABC

Dívidas em atraso consomem 28% da renda média;
orçamentos das classes D e E são mais prejudicados

Por Fábio Munhoz
Do Diário do Grande ABC
09/02/2016 | 07:00
Compartilhar notícia
Ricardo Trida/DGABC


A cada quatro famílias da região, uma está com dívidas em atraso. Os dados são da Pesquisa Socioeconômica do Inpes/USCS (Instituto de Pesquisa da Universidade Municipal de São Caetano) e revelam que o nível de inadimplência no Grande ABC vem aumentando. Entre as principais explicações para a elevação no percentual de endividados estão o crescimento do desemprego e a queda no poder de compra da população.

Em 2014, 21% das famílias residentes nas sete cidades da região possuíam pelo menos um débito em atraso. No ano passado, esse percentual subiu para 25,3%. Além da retração no nível de emprego, o professor Leandro Prearo, coordenador do Inpes/USCS, destaca que a elevação na inadimplência está ligada à interrupção de um ciclo de crescimento do País. “Estamos vindo de um passado recente de grande acesso ao crédito. Depois, quando chega a crise, as pessoas não conseguem saldar as dívidas que fizeram”, explica. O especialista acrescenta que, há alguns anos, os consumidores estavam mais otimistas em relação à economia brasileira e, portanto, aceitavam entrar, por exemplo, em financiamentos, sem pensar na possibilidade de ficarem desempregados no curto prazo.

A pesquisa revela também que houve elevação na proporção das dívidas em relação à renda familiar média, passando de 21% para 28% do orçamento disponível. O peso dos débitos teve aumento em todos os segmentos da população: de 62% para 64% nas classes D e E; de 28% para 36% na classe C; de 11% para 19% na classe B; e de 4% para 7% na classe A. “Ou seja, no caso de uma pessoa da classe D, a cada R$ 100 recebidos, R$ 64 seriam para pagar dívidas. Porém, considerando que, para o pessoal dessa camada social, 85% da renda são destinados a gastos básicos. Então, sobrariam 10% a 15% para quitar os débitos atrasados. Certamente ficarão com o nome sujo”, comenta Prearo.

O coordenador do instituto avalia que os índices de inadimplência devem subir ainda mais neste ano. “O que precisa acontecer é a economia voltar a crescer e o desemprego parar de subir. Inicialmente, os consumidores dão preferência às contas mais essenciais, como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e aluguel. Conforme a crise vai se agravando, essas cobranças também vão deixando de ser pagas.”

Um comerciante de 42 anos, morador de São Bernardo e que não quis se identificar, é um dos que se enquadram nas estatísticas sobre inadimplência. Formado em Biomedicina, ficou desempregado por três anos antes de abrir uma pastelaria em São Caetano. Foi aí que viu as dívidas aumentarem significativamente. “Se for juntar tudo, estou devendo entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.” Ele conta com ajuda da mãe para bancar o aluguel e a pensão alimentícia da filha. “Eu vou selecionando o que posso pagar mensalmente. Por exemplo, quando estão para cortar a luz, eu acerto. E assim vai.” Após adquirir a pastelaria, há pouco mais de um ano, a situação melhorou pouco, mas ainda é preocupante. “Eu não posso repassar os aumentos dos produtos aos consumidores, porque senão ninguém compra. Então, temos de baixar os lucros para continuar as atividades”, admite.


Com juros de quase 400% ao ano, cartão de crédito é recordista em calote

Do total de famílias endividadas do Grande ABC, 15,8% estão em atraso com as operadoras de cartão de crédito. Na comparação com 2014, houve aumento de 3,8 pontos percentuais. Os dados são ainda mais graves considerando que essa linha de crédito é a que possui os juros mais elevados entre as opções de mercado disponíveis para pessoa física: 399,84% ao ano, segundo a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade).

Em segundo lugar estão as prestações em lojas: 7,6% das famílias da região estão com essas faturas em atraso, ante 5% em 2014. Na sequência está o cheque especial, cujo percentual de endividados passou de 3,1% para 6,8%. Essa categoria também possui juros bastante altos: 240,88% ao ano.

Os empréstimos pessoais em bancos e financeiras também tiveram aumento na inadimplência, de 5,1% para 6,5%. As taxas de juros para essas duas linhas variam de 67,65% a 152,94% ao ano.

O professor Leandro Prearo, coordenador do Inpes/USCS, avalia que dificilmente as dívidas serão quitadas, mesmo com os bancos e financeiras abrindo programas para refinanciamento. “As renegociações só funcionam se as pessoas estiverem empregadas. Não adianta trocar uma taxa de juros de 11% no cartão para 5% de empréstimo pessoal se o devedor não vai conseguir pagar de um jeito ou de outro.”

Antecipação do consumo deve ser evitada

Para não entrar em novos endividamentos, deve-se evitar a antecipação do consumo. A orientação é do professor de finanças da Universidade Mackenzie de Campinas José Matias Filho. “As pessoas fazem financiamento quando não possuem recursos para consumir determinado bem ou serviço, mas querem fazê-lo hoje. Por exemplo, a compra de um veículo, televisão, celulares e viagens. Para isso, recorrem a recursos de terceiros, que devem ser remunerados pelos juros cobrados”, explica.

“Nesta ótica, o que precisa ser feito é adiar o consumo até que se tenha o recurso necessário, notadamente dos itens não essenciais, para evitar principalmente ‘se afundar em dívidas’ que podem se tornar impagáveis”, acrescenta.

Para os débitos já existentes, o professor aconselha buscar taxas de juros inferiores. “A melhor coisa a fazer é obter um empréstimo pessoal em um banco e quitar o cartão de crédito, trocando, dessa forma, uma dívida mais ‘cara’ por uma mais ‘barata’”.

A partir do momento em que as cobranças em atraso são regularizadas, o especialista orienta as famílias a evitarem novas antecipações de consumo e adequação dos padrões de gastos, evitando compras supérfluas. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;