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Bairro Matriz tem lavanderia histórica que foi fundada em 1966

Estabelecimento ainda conserva centrífuga e ferro de passar datados da mesma época

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
02/09/2014 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


O bairro Matriz, em Mauá, é famoso pela Igreja Imaculada Conceição e as residências habitadas por moradores antigos. Em uma das principais ruas, a Avenida Dom José Gaspar, está localizada a Lavanderia Imperial, que funciona desde 1966.

O atual proprietário é Claudinei Romualdo de Felipe Silva, 58 anos, que começou a trabalhar no estabelecimento em 1969, aos 12. “Fazia de tudo um pouco, pregava botões, costurava barras, mas principalmente coletava as roupas dos clientes de bicicleta, na época em que as ruas ainda eram de terra. Parece mentira, mas era difícil comprar uma bicicleta naquele tempo, então, um colega meu que já trabalhava aqui me trouxe com ele, e estou aqui até hoje.”

Silva decidiu comprar o estabelecimento em 1986. Mantém as máquinas antigas, que dão charme à lavanderia. “Tento deixar tudo do mesmo jeitinho. Esse ferro de passar, por exemplo, ganhei de casamento há 28 anos. Há pouco tempo um dos ferros antigos queimou e não encontrei mais para vender, só esses mais leves, que nem se comparam em eficiência”, afirmou.

DECORAÇÃO

Além dos dois ferros de passar e das tábuas, o teto do local é cheio de roupas como ternos e vestidos, sendo que alguns sacos plásticos já estão amarelados pelo tempo. São peças deixadas por clientes que nunca mais voltaram para pegar, e o comerciante as deixa expostas. Uma das mais antigas é do ano de 2007.

As duas máquinas de lavar são novas, mas Silva tem ainda a mesma centrífuga utilizada desde a inauguração do estabelecimento. Já a coleta de casa em casa, que inicialmente era feita de bicicleta e depois com o próprio carro, não existe mais há cinco anos.

Para manter as encomendas em dia, Silva conta com a ajuda da mulher, Solange Dias Amaral Silva, 49. “Eu e ele tocamos o negócio e, de vez em quando, minha irmã ajuda. Nossos amigos costumam falar que aqui é a lavanderia pré-histórica, mas é porque a gente conserva tudo.”

Silva garante que a clientela é fiel, mas que não é composta apenas por moradores do bairro. “Teve muita gente que já morou aqui e se mudou para outros bairros, mas continua trazendo a roupa porque me conhece. Tenho clientes em Santo André, São Bernardo, São Caetano. Não preciso fazer propaganda, a turma sabe onde estou. Apesar disso, caiu muito o movimento, porque abriram várias lavanderias em Mauá.”

Mesmo com as dificuldades, ele não pensa em parar. “Estou no ramo há tanto tempo que não dá para largar. Daqui só saio morto.”

Silva garante que, entre as peças que já lavou, não há uma que seja mais difícil que a outra, a não ser os vestidos de festa. “Roupa de mulher é complicada, né? Cheio de bordados e babados. As de homens são simples, só calça e camisa. Quando chega um vestido de noiva, por exemplo, precisa ser tudo lavado a mão, já que o tule não aguenta bater na máquina”, explicou,

Já entre os casos curiosos, ele destaca um. “Certa vez um homem trouxe várias peças de roupa dentro de uma sacola. Quando fui abrir, vi que tinha vários bichinhos. Coloquei tudo de volta na sacola e devolvi para ele porque senão contaminava todas as outras roupas.”

Horta garante verduras frescas aos vizinhos

Quem passa pela Rua Porto Feliz e vê o terreno com torres da AES Eletropaulo, algo presente também em outras cidades, repara em algo diferente no bairro Matriz. Há uma horta enorme no local.

O responsável pelas verduras plantadas ali mora logo em frente. É João Antônio Mogi, 76 anos, natural de São João da Boa Vista, no interior do Estado. Ele mora no bairro desde 1959 com a mulher e se emociona ao falar da origem humilde. “Meu pai nunca teve um pedacinho de terra. Ele sempre trabalhou nas lavouras de café, mas para os outros. Comecei a trabalhar com ele com 8 anos. É daí que vem a minha experiência de plantio e colheita.”

Ao chegar em Mauá, ele trabalhou na indústria automotiva e metalúrgica como operário, onde se aposentou há 27 anos. O projeto da horta começou antes, em 1987, quando foi firmado contrato entre ele e a AES Eletropaulo. “Entrei com dinheiro e fizemos um acordo de que eu plantaria aqui, mas também cuidaria do terreno. Antes queria cultivar milho, mas a companhia não deixou porque a altura atrapalhava a fiação.”

Segundo ele, depois de muitos meses de negociação, as partes chegaram a um acordo. “Comecei a plantar o milho nas partes distantes dos fios, e, próximo, plantava mandioca.”

A atividade era totalmente feita por ele, com a ajuda de sua mãe. “Ela vinha ao terreno comigo todos os dias e era um jeito de lembrar da roça. Minha mãe morreu há 13 anos, aos 104. Espero que eu chegue perto do que ela viveu”, disse.

Atualmente seu João planta verduras como vários tipos de alface, cebolinha e espinafre, todos sem agrotóxicos. Além de vender para a vizinhança, ele também fornece os alimentos para uma lanchonete e um restaurante e garante ter paixão pelo que faz. “É um modo de recordar da minha infância, minha terra e de toda a minha origem”, afirmou.

Dona Ana construiu uma das primeiras casas do local

Entre os moradores do bairro Matriz, não tem quem não conheça Ana Aparecida Grejo Sanchez, 85 anos, a dona Ana. Ela tem uma das casas mais antigas e é famosa pelo bar e mercearia que manteve aberto por mais de 40 anos. Atualmente o estabelecimento comercial foi fechado, mas dona Ana continua vivendo na mesma casa que ajudou o marido a erguer na década de 1950, quando ambos vieram da cidade de Jaboticabal, no interior do Estado.

“As coisas estavam muito difíceis e decidimos vir para o Centro de São Paulo para encontrar emprego. Meu marido começou a trabalhar em uma tinturaria e logo entrei na empresa também, mas na parte de costura. Vieram os cinco filhos e tivemos que procurar uma casa maior para viver”, contou.

Foi em Mauá que a família viu a oportunidade de começar uma nova vida. “Quando compramos o terreno, não tinha nada na rua, era só mato e terra. Eu me lembro que, bem longe, havia uma casinha que atendia as emergências médicas. O trem passava na porta de casa, o que era bom para o meu marido ir trabalhar.”

Após ajudar o marido a construir a casa, ambos abriram um bar ao lado do imóvel. “Enquanto ele trabalhava, eu ficava no balcão e íamos nos revezando. Também costurava para fora para ajudar nas contas. O bar era frequentado por todo o bairro, já que também funcionava como vendinha. Muita gente achou ruim quando fechei, mas, como meu marido morreu há 18 anos, não dava conta de tudo sozinha”, disse.

Depois de tanto trabalho, a aposentada não quer nem ouvir falar em descansar. “Não gosto dessa palavra, não, já que o que gosto mesmo é trabalhar. Depois de costurar, ser pedreira, cuidar da casa e do balcão de um bar, voltei às minhas origens bordando. Hoje faço muitos bordados e crochês, até vendo alguns.”

Dona Ana diz que fica impressionada com o crescimento da cidade. “Fiz minha vida aqui. Dá gosto de ver que agora temos asfalto, além de posto de Saúde e outros serviços. Ainda tem que melhorar muito, mas já está ótimo.” 




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