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‘Descobri que o tempo não existe’
Mariana Trigo
Da TV Press
30/09/2006 | 18:38
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Eliane Giardini acha que chegou a hora de se despedir das personagens engraçadas na TV. Pelo menos por um tempo. Na pele da divertida carola Eva de Cobras & Lagartos, na Globo, a atriz nascida em Sorocaba, interior paulista, que completa 53 anos no próximo dia 20, garante que vai fechar o ciclo dos papéis burlescos na telinha. Esta fase de mulheres divertidas começou com a Lola de Explode Coração, há 11 anos. De lá para cá, apenas as minisséries permitiram que a atriz vivesse personagens mais sérias, como a artista plástica Tarsila do Amaral em Um Só Coração ou a destemida Caetana, que está no ar em A Casa das Sete Mulheres. Todas, sem exceção, com uma aura de sensualidade implícita em cada cena.

PERGUNTA – A Eva, de tão cômica, beira o humor pastelão. Uma beata fervorosa e reprimida que quando tem uma oportunidade, se transforma. Como quando virou a cigana Esmeralda. Como tem sido viver uma carola às avessas?

ELIANE GIARDINI – Eu imaginava que havia uma razão para essa mulher ser mais do que beata, louca, fanática religiosa. Mas a gente nunca sabe o que o autor reserva. A Esmeralda deu um contraponto para a personagem. Ter uma possibilidade de mostrar um mundo reprimido é engraçado. Nunca sei para onde ela vai. Ela me parece um pouco a Terezinha daquela música “O primeiro me chegou, como quem vem do florista...”. Sabe assim? É muita brincadeira, um texto no qual não cabem abordagens psicológicas, grandes construções de personagens.

PERGUNTA – Durante muito tempo você fez mulheres dramáticas na tevê. Mas desde Explode Coração suas personagens em novelas estão mais cômicas. Por quê?
ELIANE – Engraçada essa nova fase. Outro dia estava conversando sobre isso com a minha filha mais nova, Mariana, que está fazendo teatro. Ela me perguntou sobre as dificuldades das cenas de choro. Esse é o maior drama de quem está começando a carreira. Mas chorar está longe de ser o problema. É infinitamente mais fácil fazer uma cena dramática do que uma cômica. Há alguns anos, se me perguntassem se eu fazia comédia, diria que não. Nem eu sabia que poderia fazer. Mas não sou aquela atriz que pega qualquer texto e o transforma em graça. Isso é tipicamente dos atores cariocas, que têm essa facilidade, como o Pedro Cardoso ou o Luiz Fernando Guimarães. Eles dão uma entonação engraçada para qualquer texto. Não sou esse tipo de atriz. Preciso de uma situação cômica para fazer uma comédia em cima.

PERGUNTA – No início de Cobras & Lagartos eram visíveis na Eva algumas características da viúva Neuta, de América. Você identifica semelhanças entre as personagens?
ELIANE – Os personagens são uma roda gigante, um sobe e desce. A transição foi muito rápida entre as duas. Quase que emendei os dois trabalhos, até porque o ano que vem eu pretendo fazer apenas teatro. Na TV, com alguns anos de trabalho, o ator constrói identidades. Com isso, as pessoas vão ver em que tipo de personagem você se encaixa melhor, qual o seu elemento. A TV não tem tempo de elaboração para um personagem como no teatro, que você pensa no jeito de andar, de sentar, de olhar. A escalação é de acordo com o tipo que sabem que você faz bem. O ator é que tem de se cuidar para não submergir nesse estereótipo, para não virar ator de um personagem só.

PERGUNTA – Você teme emendar personagens parecidas?
ELIANE – É uma reflexão de cada ator. Nossa vida é feita de escolhas. Eu sei que está na hora de dar uma parada nesse tipo que venho fazendo. Preciso propor um novo tipo de personalidade, assim como fiquei muito tempo com papéis dramáticos, agora estou com os cômicos. Sou de fases. Tem personagens que gosto muito, como a Neuta, que ia do drama à comédia. Tinha um espectro maior de possibilidades. A Eva é só comédia. Nazira também era comédia pura. Preciso parar porque senão vou começar a emendar vários personagens parecidos. Tenho de esperar a vida me mudar um pouco para saber que linha seguir.

PERGUNTA – Independentemente da dramaticidade ou comicidade das suas personagens, todas sempre exploraram a sensualidade. Por quê?
ELIANE – Acho bom que seja assim. Isso enriquece as personagens. Na minha faixa etária, cada vez mais atrizes são sensuais. É o retrato de uma época. A minha geração é de transição, traz este prazo dilatado de sensualidade. Quem nasceu nos anos 50, como eu, pegou uma grande revolução cultural em 1968, que tirou tudo do lugar e reorganizou os conceitos de outra forma. Hoje vejo os velhinhos na terceira idade viajando, indo ao teatro, saindo. Na época dos meus pais, o idoso cuidava dos netos, administrava um final de vida. A minha geração tem um ganho extra de juventude, de sensualidade ainda, de uma qualidade de vida, de um corpinho mais bacana. Você pega uma Betty Faria com um corpo de bailarina com 60 anos. Sou uma das pessoas que empurram a idade.

PERGUNTA – Isso ficou mais latente depois de viver a Neuta, uma viúva que se apaixonava por um jovem peão?
ELIANE – Sinto que tenho tido uma grande identificação com mulheres que dão viradas, que não são conformadas, mas ativas e esperançosas.

PERGUNTA – Foi difícil se livrar da grande repercussão dessa personagem?
ELIANE – Acho que a Neuta está por aí. Não me livrei dela. Gosto de imaginar que meus personagens estão por aí e ela é muito feliz. Até hoje, quando vou gravar no Projac, passo pela cidade cenográfica onde ficava a fazenda da Neuta e todas as vezes penso que ela deve estar ali com o bofe dela, feliz da vida! (risos). É muito feliz o que aconteceu com aquela personagem. Não faço questão que isso termine. Essas coisas somam. Gosto de imaginar que todas as minhas personagens continuam por aí.

PERGUNTA – Esse zelo com suas personagens tem alguma ligação com o fato de você ter feito sucesso tarde na TV, só a partir de Renascer?
ELIANE – (risos). Acho que sim. Me incomodava muito não ter visibilidade. Talvez, seu eu não tivesse casada com o Paulo Betti, que começou a carreira comigo em teatro amador em Sorocaba, essa ausência de sucesso na época em que ele despontou não tivesse me incomodado tanto. De repente, o Paulo começou a carreira na Globo e eu fiquei fazendo teatro em São Paulo. Isso deu um descompasso muito doloroso. Se eu não tivesse esse contraponto ao meu lado, seria melhor. Hoje eu acho que foi bárbaro ter acontecido tudo isso porque foram esses 10 anos de desarmonia que fizeram com que eu me aprofundasse na minha história. Pude entender quem eu era, como eu lidava com aquilo tudo. Foi um momento de autoconhecimento. Isso me deu um amadurecimento que, se eu tivesse feito sucesso desde o início, talvez só agora eu tivesse. Mas hoje percebo que o patamar profissional que estou hoje seria o mesmo se tivesse começado a fazer sucesso aos 20 anos. Estaria fazendo os mesmos personagens. Com isso, percebi que o tempo não existe.



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