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Escritura que demorou 3 décadas
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
03/09/2005 | 09:54
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Depois de 30 anos de espera, 132 famílias que moram no conjunto habitacional IAPI, na Vila Guiomar, em Santo André, podem finalmente requerer a escritura dos apartamentos. Anos e anos de mal entendidos e de burocracia chegam ao fim domingo, durante um café-da-manhã comunitário que vai comemorar o reconhecimento do direito adquirido e protelado há décadas. Representantes da Prefeitura e do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) vão esclarecer as dúvidas dos moradores e dar instruções sobre o processo. Ter em mãos o documento que atesta a conquista da casa própria será uma questão de – pouco – tempo.

A maioria dos contemplados são famílias pioneiras no conjunto habitacional, o primeiro do Grande ABC a ser erguido para servir de moradia aos operários da região. Os chamados prédios velhos, 26 ao todo, foram construídos em 1946 pelo IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários), por determinação do presidente Getúlio Vargas. Os apartamentos eram cedidos aos trabalhadores da indústria, que pagavam aluguel para utilizá-lo. Na época, cada categoria profissional tinha um instituto de previdência próprio, realidade superada com a criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que passou a ser o dono da área.

No final dos anos 60, foi dada aos moradores a chance de comprar o imóvel. A maioria aceitou e passou a pagar as prestações. No final de uma década, já haviam quitado a casa própria. Mas não imaginavam que demoraria tanto para conseguirem a escritura. O "dono" do conjunto mudou tantas vezes de nome que as negociações avançavam um pouco e recuavam dois tantos.

Nesse ritmo, famílias foram se multiplicando e criando raízes no IAPI. É o caso do funcionário público Roberto Gomes da Silva, que tem 50 anos e mora no conjunto desde que nasceu. Hoje, mora num apartamento de 79 m² com o pai, a mulher e os filhos. Três gerações que até hoje aguardavam a escritura do imóvel. "Tenho uma relação de amor com esse lugar. É uma área nobre da cidade, pertinho do Centro. É tranqüilo, as crianças brincam na rua. Estava na hora de nos mobilizarmos para conseguir nosso direito", explica, enquanto aponta orgulhoso os pés de amora, pitanga, limão e manga, que fazem sombra e dão bom suco.

Em fevereiro, Roberto criou a Associação de Moradores dos Prédios Velhos do IAPI para juntar as famílias e pensar maneiras de melhorar o conjunto. Como não há escritura, não há cobrança formal de condomínio, e os moradores fazem vaquinha para driblar os contratempos. Daí a grande diferença entre um prédio e outro: uns, caprichosamente cuidados, outros com o descaso estampado na tinta corroída das paredes.

Uma das queixas dos moradores era a dificuldade para receber correspondência. As ruas eram denominadas por números, e o carteiro muitas vezes confundia as vias que cortam o IAPI com as da favela vizinha, a Tamarutaca. O impasse foi parar na Câmara, e os vereadores aprovaram um projeto de lei a pedido das famílias para mudar a nomenclatura das ruas. "Mas não podia ser uma mudança radical. A maioria dos moradores são idosos e passaram a vida no conjunto. Imagina morar 60 anos na rua 2 e de repente a via mudar de nome para São Bento?", conta Roberto. A solução encontrada: a rua 2 agora se chama 2 de fevereiro, a rua 3, 3 de março, e assim por diante. Até a 11 de novembro.

Trocar o nome das ruas abriu portas para que o assunto das escrituras voltasse às rodas dos moradores. A Prefeitura, com a medida, delimitou as áreas que pertencem ao município e as que pertencem ao INSS. As áreas coletivas diminuíram, e o instituto se propôs a mudar os antigos contratos e redefinir as metragens. As famílias não vêem a hora de conseguir o documento e já sonham em transformar o conjunto.

"Vai dar para fazer bastante coisa. Imagina só? Agora, cada prédio terá sua própria área verde. Hoje, tudo é de todo mundo. Vamos poder cobrar condomínio, valorizar o que é nosso", espera Juraci Garcia Corrêa, 70 anos, 52 deles passados no IAPI.

Além dos 26 "prédios velhos", o conjunto habitacional tem 34 edifícios "novos" com quase mil apartamentos no total e mais de 400 casas geminadas. Só os pioneiros do IAPI sofrem até hoje com a falta de regularização.




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