Setecidades Titulo
‘Cabeça’ de agente vale R$ 5 mil
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
03/07/2006 | 07:42
Compartilhar notícia


Eles andam rápido e de cabeça baixa. Vivem trancados em casa. Contam que atividades corriqueiras, como comprar pão na padaria ou ouvir a campainha do telefone, são capazes de disparar batedeira no coração. Há duas semanas, agentes penitenciários do Estado viram as ameaças habituais ganharem nome, endereço e preço. Criminosos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) receberam ordem de matar os funcionários que fazem a segurança das unidades prisionais, conhecidos como calças-azuis. O prêmio para cada baixa: R$ 5 mil.

A recompensa dada aos criminosos para apertar o gatilho é o triplo do salário-base que o Estado paga aos agentes penitenciários, de R$ 1,6 mil por mês para 48 horas semanais de trabalho. Servidores dos CDPs (Centros de Detenção Provisória) da região contam que são abordados na rua e intimidados com informações precisas sobre suas rotinas e familiares. Os criminosos sabem, por exemplo, a que horas o funcionário entra e sai do serviço, quando pega os filhos na escola, onde vive. Do radar da facção, não escapam nem os parentes que moram em outro município e números de telefone.

Desde maio, 11 agentes foram mortos em ataques promovidos pelo partido do crime. Dois deles na semana que passou. Na quarta-feira, Nilton Celestino, 41 anos, foi assassinado quando saía de casa pela manhã, em Itapecirica da Serra, na Grande São Paulo. No sábado, foi a vez de Eduardo Rodrigues, 41, ser morto com quatro tiros à queima-roupa, na zona Oeste da capital. Finais trágicos, que ameaçam os 24 mil agentes penitenciários do Estado.

“Há duas semanas, a gente ouve direto ‘Calça-azul, vai pensando que tá bom’. Falam que os ‘irmãos’ vão matar e ainda receber R$ 5 mil por cabeça. Os presos têm a cadeia na mão. Não temos chance de defesa. É uma calamidade. Ninguém mais fala que é agente penitenciário. Fala que é faxineiro, esconde o uniforme”, conta um agente que trabalha em um dos CDPs da região.

Policiais civis e militares têm direito ao porte de armas. Os agentes de segurança penitenciária, que lidam diretamente com os criminosos, não. Isso porque foram contratados para exercer a função de reeducadores e praticar a máxima de “restabelecer o vínculo do preso com sociedade”. Antes de assumir o posto, passam por três meses de formação na Escola Academia de Polícia. Têm aulas de direitos humanos, legislação, ética, defesa pessoal e deveres do funcionalismo público. Na prática, dada a falência do sistema, compõem a linha de frente de uma guerra travada entre o Estado e o PCC.

“A gente é bucha de canhão. Ninguém garante a nossa segurança, nem o sigilo sobre os nossos dados. Os bandidos sabem tudo da gente. Tem família de servidor que mora em periferia abandonando a casa porque foi expulsa pela facção”, reclama um agente do CDP de Mauá.

Asilo – O secretário-geral do Sifuspesp (Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo), Antonio Ferreira, diz que 13 famílias, da Baixada Santista, de Guarulhos e do interior, procuraram a entidade depois de deixarem a casa em que viviam por ameaças de criminosos. “Por sorte”, conseguiram abrigo em casa de parentes. “Mas outra não conseguiu guarita. Veio aqui para o sindicato. Nós abrigamos e agora estamos pagando um hotel para eles. Até que a Secretaria assuma a responsabilidade”, conta Ferreira.

A SAP (Secretaria de Estado da Administração Penitenciária) não informou como pretende garantir a segurança dos agentes intimidados fora do horário de trabalho. Nas unidades do Grande ABC, os servidores têm sido acompanhados por escolta policial na volta para casa.

O Estado também não se manifestou a respeito de outra reivindicação recorrente entre a categoria: o déficit de funcionários nas unidades prisionais. Mesmo em CDPs superlotados, como o de Santo André e Diadema – que abrigam o dobro de sua capacidade –, o número de servidores não aumentou. De acordo com o Sindasp (Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo), só metade dos agentes está efetivamente trabalhando. Os demais estão de férias, afastados por problemas de saúde ou desviados da função.

O Sifuspesp estima que o déficit seja de 31 mil agentes. E justifica: em 1994, eram 39 as unidades prisionais, 33 mil presos no sistema e 14,7 mil agentes. Hoje, as unidades são 144; os detentos, 126 mil, e os agentes, 24 mil. A sobrecarga é grande, segundo a entidade. Um só agente chega a tomar conta de mais de 100 criminosos. “Trabalhamos 12 horas e folgamos 36. Não é raro alguém me chamar durante o descanso para cobrir alguém que faltou ou está afastado. Principalmente em época de ataques. Somos contratados pelo RETP, o Regime Especial de Trabalho Policial. Posso ser convocado a qualquer momento. Sem pagamento de hora extra”, relata outro agente da região.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;