Setecidades Titulo Subida íngreme
Ladeira é desafio para carros e pernas
Por Caroline Garcia
Especial para o Diário
17/09/2012 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Quem vê a subida de longe, vindo do Litoral pela Via Anchieta, se assusta. Perto, a ladeira íngreme é mais amedrontadora. São cerca de 800 metros até chegar ao topo da Rua Washington Luís, na altura do km 26 da rodovia, no Jardim Silvina, em São Bernardo.

Carros sobem a ladeira, mas não quando o chão está molhado. As rodas patinam e não há marcha que faça o veículo ir para frente. Para descer, os freios precisam estar em dia e, mesmo assim, é necessário descer engrenado.

"Quando chove, por exemplo, ninguém sobe ou desce de carro", disse o pedreiro Luciano Rodrigues dos Santos, 46 anos. Ele mora na última casa da via, literalmente no topo do morro. Mas não precisa enfrentar toda a subida para chegar ou sair. Lá em cima tem a Avenida Visconde de Araruama, que é menos íngreme e facilita a circulação dos moradores e caminhões que fazem entrega de materiais de construção e eletrodomésticos.

A dificuldade maior é enfrentada pelos moradores da metade da rua. Nesse pedaço, dificilmente são feitas entregas. "Os caminhões deixam as coisas lá embaixo e a gente arruma um jeito de subir. Pede ajuda ao vizinho que tem carro ou sobe carregando nas costas mesmo", afirmou a desempregada Regiane Sousa Rezende, 20.

A subida a pé demora cerca de 25 minutos. Quem não está acostumado chega com as pernas doendo no fim da rua. Para quem mora ali, o exercício virou rotina. A diarista Ana Paula Melo da Silva, 40, sobe e desce a ladeira todos os dias e ainda faz caminhada de uma hora, duas vezes por semana. "Dá 15 minutos andando até a praça. Para subir, como já estou cansada pelo exercício, demoro uns 10 minutos a mais."

As crianças não se incomodam com a descida, brincam de qualquer jeito. "Se a bola rola para baixo, a gente vai atrás ou alguém pega", disse Ruan Nunes, 11. Os ônibus de escolas municipais e estaduais transportam os alunos para as unidades de ensino no bairro, mas é preciso esperar no pé do morro.

Desde o ano passado, o fornecimento de água, que era clandestino, foi legalizado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), e todos pagam a conta, que gira em torno de R$ 14 em cada casa. "Antes, o caminhão pipa passava duas vezes por semana e a gente tinha que pagar para alguém encher as caixas d'água com baldes", contou a auxiliar de cozinha Simone de Lima, 25.

Há cerca de seis anos, outro transtorno desapareceu do cotidiano da vizinhança: o chão de terra. "O pessoal subia com sacolas plásticas no pé para não sujar de barro. Não adiantava muita coisa. Sem contar os tombos por causa da lama que se formava quando chovia", disse o pedreiro Santos.

População se orgulha das casas que construiu na via

Praticamente todas as casas da Rua Washington Luís foram construídas pelos próprios moradores. São imóveis pequenos, de dois ou três cômodos, às vezes barracos de papelão e maderite.

Com a ladeira tão íngreme, alguns móveis acabam ficando tortos dentro das residências. "A cama pende para o lado, mas não tem problema. Quando fica muito ruim, a gente coloca reforço nos pés dos eletrodomésticos", disse a doméstica Norma Ferreira, 29 anos, que mora com o marido e duas filhas na casa que ele construiu, há 3 anos.

Vivendo no mesmo barraco há 18 anos, desde que veio do Ceará, a dona de casa Maria Eridan de Sousa, 57, acha o lugar longe de comércio e equipamentos públicos, mas tem orgulho de onde mora com a filha e o marido. "É nosso, então é bom." A entrada do barraco de quarto, sala e cozinha ainda é de terra, mas os cômodos têm piso.

Uma das primeiras moradias do morro, quase na esquina com a Rua Padre Leo Comissari, pertence à dona de casa Maria Dolores Cavalcante, 62. Nascida no Maranhão, ela e o marido compraram o barraco ali com o dinheiro da venda de uma carroça e um cavalo, há 13 anos. Dos 6 filhos do casal, 5 são vizinhos. "Só não estão todos aqui na rua porque um mora em Belém." Além do marido, Maria Dolores vive com 7 netos, com idades entre 19 e 1 ano, em três cômodos.

Há 4 anos ela tenta construir o segundo andar da casa, com mais três cômodos. "Está muito apertado. Passei a cuidar dos filhos dos vizinhos para aumentar a renda e acabar a obra."

O marido trabalha com limpeza em um supermercado e ganha R$ 520 por mês. "A gente precisa comer e pagar conta. O que sobra para a construção é quase nada, por isso está tão devagar", disse. Apesar da dificuldade, Maria Dolores não pretende se mudar dali. "Não saio do meu barraco para apartamento nenhum da Prefeitura. A casa é minha. Construí com o dinheiro do meu trabalho, não tive ajuda de ninguém e me orgulho disso."




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