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'Guia' tem a função de controlar a fila
Por Willian Novaes
Do Diário do Grande ABC
07/03/2010 | 07:02
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Quem acha que para ficar na fila é só chegar está enganado. Existe série de regras e normas impostas pelas próprias visitantes e pelos detentos. As mulheres não podem conversar alto de madrugada, falar da vida alheia, discutir com os agentes de segurança ou reservar lugar para outra pessoa. Ter homens na fila, mesmo que seja irmão ou pai, é proibido. Para controlar tudo isso, em cada local existe uma pessoa responsável. Elas são as guias que mantém a ordem nas portas do CDPs (Centro de Detenção Provisória) de Diadema, Mauá, Santo André e São Bernardo.

As guias controlam a lista de chegada, distribuem as senhas, ajudam os familiares que estão no primeiro dia na fila, controlam o tempo que as mulheres saem para comprar comida ou tomar banho. "Ensinamos o que pode e o que não pode fazer. Se vacilar vira bagunça aí já era", diz Elaine Oliveira, 29 anos, que durante a semana trabalha de doméstica.

O Diário presenciou discussão onde quase que duas mulheres trocaram agressões. O problema foi levado para dentro do CDP de Mauá para os maridos resolverem. Jenifer, 27, mãe de quatro filhos bateu boca com Edna, 30.

Edna se sentiu ofendida com comentário de Jenifer, depois de alguns minutos trocando insultos, Elaine disse a seguinte frase: "Eu vou esticar o chiclete". Jenifer não perdeu tempo e respondeu: "Vou mastigar então". Segundo as próprias mulheres, isso significa que elas e os seus companheiros levariam o problema para o irmão (preso que comanda a cadeia e é ligado a facção criminosa PCC - Primeiro Comando da Capital). Esse detento julgaria o caso e quem ele achar que não está com a razão poderá ter uma perna ou um braço quebrado. "Ou até coisa pior, depende da consideração que o irmão tiver com o marido dela. Até uma delas pode pagar, a gente não pode perder o respeito", disse uma mulher que não quis se identificar.

No CDP de São Bernardo quem administra a fila é Nice, 36, com um metro e meio de altura. Ela disse que chegou a controlar a fila com mais de 1.000 pessoas. Anda de um lado para outro, sempre com o caderno de anotações. Há dois anos e meio na função diz que já viu muitas histórias se repetir. "A parte mais triste é quando uma mãe vem visitar o filho e fica sabendo que ele morreu. Também não é fácil ver o preso sair todo amarrado para ir ao enterro dos pais ou filhos. Chega dar dó", comenta.

As guias ganham de R$ 600 a R$ 800 por mês. Elas falaram que as próprias visitas ajudam no pagamento. "É complicado controlar essa mulherada. Às vezes é preciso levantar a voz e explicar que elas não estão nas casas delas", completa Elaine.

Família leva bolo de milho para aniversário de detento

A família de Maria Salvanir, 46, saiu de casa às 1h da madrugada no Parque Cocaia, extremo da Zona Sul da cidade de São Paulo, e foi chegar às 4h na porta do CDP de Diadema. Ela trabalha como auxiliar de limpeza em Pinheiros, na Capital, e quando chegou em casa teve tempo apenas para tomar um banho e já se arrumou para encarar a rotina de visitar o filho na prisão.

Nesta viagem vieram os outros quatro filhos de Maria, o seu marido e uma vizinha com seu filho de 3 anos. Eles encararam esta maratona para visitar o filho e o marido da amiga que foram presos no dia 4 de janeiro no mesmo bairro onde moram, acusados de tráfico de drogas. Eles trouxeram diversas vasilhas com comidas e um bolo de milho para comemorar o aniversário de 25 anos do rapaz preso.

"Começamos 2010 da pior forma, nunca imaginei na minha vida que comemoraria o aniversário de um filho dentro da cadeia. Estou aqui porque sei que ele é inocente. Mas é muito desgastante para qualquer um. Parece que todo mundo é bandido", conta.

Eles ainda não estão acostumados com a situação de esperar na fila por horas, debaixo de chuva e frio. As crianças dormem no chão da calçada. Os mais velhos se agacham para fugir do vento forte. Eles ficam isolados, parecem estranhos no local. As mulheres que esperam para ver os companheiros ficam debaixo da cobertura de um bar.

Segundo Claudina Monteiro, 23, irmã do preso, apenas o amor supera todo o seu sofrimento da visita na prisão. "Não tem explicação o que nós estamos passando", comenta. A desempregada Elenilda da Conceição, 35, tenta explicar. Mesmo sendo mãe de quatro filhos, sempre que dá ela vem visitar o companheiro "O pior é que eu sabia que ele era errado, uma hora a casa cai", lamenta.

A pedido das entrevistadas, alguns nomes foram trocados.




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