DIÁRIO – Quando o sr. conversou com o Gilberto sobre o desvio do dinheiro ao PT?
JOÃO FRANCISCO DANIEL – O diálogo com o Gilberto aconteceu nesta sala, da minha casa, ele sentado ali, eu sentado aqui, logo após a morte do meu irmão. Na época a polícia fazia buscas nas favelas e discutia se a Blazer encontrada era a usada no seqüestro. O elo de contato da família para saber o que estava acontecendo no caso era com o Gilberto ou com a Míriam.
DIÁRIO – Em que circunstâncias que aconteceu esse diálogo?
JOÃO FRANCISCO – Estávamos conversando sobre as investigações quando comentei com o Gilberto o que sabia sobre as empresas de ônibus. Pedi a ele que fizesse algo na administração para que houvesse mais transparência. Eu disse: “Olha Gilberto, eu espero que a morte de meu irmão não seja em vão no sentido de fazer uma limpeza na administração, coisa que o meu irmão estava querendo fazer desde de setembro do ano passado”. Era uma conversa informal e sem mais e sem menos ele começou a falar espontaneamente. Não perguntei nada. Eu já sabia do esquema de corrupção porque a Rosângela Gabrilli já tinha me confidenciado que ela era obrigada a dar um valor mensal para a ‘caixinha’ que formava a campanha do PT em torno de R$ 40 mil reais. Eu já sabia e um monte de gente sabia.
DIÁRIO – O sr. conhecia a família dona da Viação São José?
JOÃO FRANCISCO – Sim, desde que eu nasci, praticamente. Eu nasci em uma das casas da família Gabrilli, há 56 anos. Mas não tínhamos amizade.
DIÁRIO – Em que ocasião a Rosângela falou sobre a ‘caixinha’ para o sr.?
JOÃO FRANCISCO – Foi no final do ano passado, antes da morte do Celso. Eu ia conversar com o Celso sobre o assunto no inicío de janeiro, depois das festas de fim de ano. Nunca me envolvi com a Prefeitura, nunca quis me envolver, a vida dele era dele, a minha era minha, a minha vida é diferente da vida dele, a vida dele era voltada para o partido. Ele adorava política, enfim. Eu faço aquilo que eu sei fazer, que é ser oftalmologista e vivo com minha família, é diferente. Eu não tinha esse tipo, eu não gostava de perturbar, não gostava de ficar enchendo a paciência dele.
DIÁRIO– Qual foi sua reação quando o sr. soube do esquema pela Rosângela?
JOÃO FRANCISCO – Fiquei bastante chateado. Eu acho que isso não é tipo de coisa. Não é honesto de fazer isso
DIÁRIO – Como foi o diálogo que o sr. teve com o Gilberto?
JOÃO FRANCISCO – Disse ao Gilberto pensar no que estava acontecendo, que a Rosângela estava perdendo a empresa e que esse tipo de coisa tinha de acabar. Ele disse que eu não iria compreender o esquema e que os empresários tinham concordado com a ‘caixinha’. A princípio, para empresário, o esquema é muito interessante. Ele reclama depois, mas concorda antes.
DIÁRIO – Quando o sr. conversou com Gilberto a esse respeito, relacionou o caso da São José de alguma maneira?
JOÃO FRANCISCO – O prefeito João Avamileno (PT) já tinha tomado posse e achei que seria importante o novo prefeito dar uma linha diferente nesse tipo de esquema. Por isso pedia ao Gilberto para tomar uma atitude.
DIÁRIO – Qual foi a resposta ?
JOÃO FRANCISCO – Falou que era muito difícil, que o problema era político e muito complicado. E, sem mais nem menos, disse que ficava chateado e preocupado porque pegava o dinheiro aqui em Santo André, colocava na malinha e pegava o Corsa dele e ia para São Paulo para entregar o dinheiro ao presidente do partido, o José Dirceu. Eu não pedi para ele me falar nada. Eu fiquei quieto.
DIÁRIO – O Gilberto falou que o dinheiro era para campanhas?
JOÃO FRANCISCO – O dinheiro era para a campanha da Marta Suplicy (PT), prefeita de São Paulo, e para a campanha do Lula à Presidência da República.
DIÁRIO – E como foi o diálogo com a Miriam Belchior?
JOÃO FRANCISCO – Ela também esteve aqui na minha casa e falou o que sabia depois que pedi para que ela tomasse alguma providência, afinal ela tem força política. E disse: “Atenda um pedido do irmão de um falecido, faça alguma coisa”. A resposta foi a mesma, que era difícil. A Miriam também me contou que conversou com o Celso em setembro do ano passado. Ela disse que tinha um convite da Marta Suplicy para ser secretária em São Paulo e que se o Celso não tomasse providências ela iria para São Paulo. A Miriam contou que o Celso tinha garantido a ela que tomaria providências.
DIÁRIO – Porque o sr. decidiu falar isso agora, o que motivou o senhor a procurar o Ministério Público, foi voluntário?
JOÃO FRANCISCO – Os promotores me ligaram e tomei a iniciativa de prestar depoimento. Eu sabia que eles estavam investigando algo. O meu depoimento foi uma surpresa grande para os promotores porque eles não sabiam, não.
DIÁRIO – O sr. acredita que o esquema da ‘caixinha’ continua?
JOÃO FRANCISCO – Eu acredito que eles não estavam recebendo mais. Mas, desde janeiro , depois da morte do Celso, eles não foram mais cobrados. Que eu saiba.
DIÁRIO – Então não há nada que motivou o sr. a ir ao MP?
JOÃO FRANCISCO – A única coisa que me motivou foi o que aconteceu com o meu irmão, pela maneira como ele foi assassinado, pela maneira como foi conduzido o processo de investigação. O caso foi conduzido de tal maneira para que se chegasse a um crime comum. E acho que não foi crime comum, posso até estar errado. Mas não houve mudança nenhuma na conduta da administração, continuou tudo a mesma coisa. Meu irmão morre da maneira como morreu, e não dá absolutamente em nada. Fecham o processo como crime comum. Eu fico sabendo dessas denúncias por livre e espontânea vontade. Não sei por que me falaram. Eu vou ficar quieto? Não estava mais conseguindo ficar quieto, eu tinha de falar.
DIÁRIO – O sr. teme por sua vida?
JOÃO FRANCISCO – Eu acredito. Tenho certeza absoluta, porque isso nós fomos informados desde o início para tomarmos muito cuidado, ficar quieto, não abrir a boca, porque corríamos risco de vida.
DIÁRIO – O sr. se decepcionou com a atitude do seu irmão ao ser conivente com esse tipo de esquema denunciado?
JOÃO FRANCISCO – No fundo, no fundo você acaba se decepcionando. Por mais admiração que você tenha, você acaba se decepcionando.
DIÁRIO – O sr. pretende mudar algo na rotina de vida?
JOÃO FRANCISCO –Indo para a Clínica, voltando para casa, trabalho no Poupatempo de São Bernardo.
DIÁRIO – Havia divergência entre o sr. e o seu irmão?
JOÃO FRANCISCO –Tinha divergências políticas. Não sou petista, não sou peessedebista, não sou partidário. Sou um cidadão que acompanha política, voto naquele que eu acho que pode ser o melhor candidato.
DIÁRIO – O sr. votava nele?
JOÃO FRANCISCO –– Sempre votei no Celso. Sempre.
DIÁRIO – O sr já foi filiado a algum partido?
JOÃO FRANCISCO –– Graças à Deus nunca fui.
DIÁRIO – A administração nega as acusações e diz que o sr. não tem provas. O que diz com relação a isso?
JOÃO FRANCISCO –Não posso dizer nada. Eu simplesmente acho que é a minha palavra, tranquila, honesta, de cara lavada, posso dormir sossegado, contra palavras do Gilberto, que eu sempre achei o Gilberto uma pessoa boa, eu sempre gostei do Gilberto. Eu sempre achei que o meu irmão estava muito bem assessorado. Sempre gostei da Miriam, apesar das divergências partidárias, sempre gostei dos dois. Nunca tive nada contra os dois. São pessoas voltadas para o partido. Eles vivem com o partido. Eles vão negar. Imagine, isso é mentira, nunca falei isso. É a palavra deles contra a minha. Se eu tivesse a intenção de prejudicar alguém, eu teria gravado a conversa.
DIÁRIO – A sua denúncia terá repercussão porque trata-se de um período eleitoral.
JOÃO FRANCISCO –Eu acho que o povo brasileiro, o cidadão brasileiro que vota, tem de ficar sabendo que o PT não difere em nada dos outros partidos. Temos que deixar de ser hipócritas. O duro para um cidadão, principalmente aquele que fica sabendo de coisas, é ficar escutando, vendo na televisão, lendo nos jornais, etc, de pessoas que ficam se colocando acima de qualquer suspeitas
DIÁRIO – O sr. acha que o esquema que havia na Prefeitura de Santo André tem a ver com a morte do Celso, seu irmão?
JOÃO FRANCISCO – Eu acho que foi queima de arquivo.
DIÁRIO – O sr. acha que ele sabia e não queria contar ?
JOÃO FRANCISCO –A Miriam conversou com ele e eu acho que ele quis começar a fazer algumas alterações. Eu acho. Tenho essa impressão, não tenho provas.
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