Setecidades Titulo Crime contra a mulher
Grande ABC registra um feminicídio a cada cinco dias

Dados do Tribunal de Justiça são referentes aos inquéritos instaurados em 2017; neste ano, até julho, já foram 19 casos

Por Aline Melo
28/08/2018 | 07:00
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 O Grande ABC registrou, em 2017, média de um feminicídio a cada cinco dias. Os dados foram informados pelo TJ (Tribunal de Justiça) e são referentes aos 73 inquéritos instaurados naquele ano. Na comparação com 2016, quando foram abertas 24 investigações, o aumento é de 204%. Em 2018, até junho, já foram registrados 19 casos.

Feminicídio é um agravante de homicídio, incluído no Código Penal em 2015 e atribui punição – de até 30 anos em reclusão – e execução de pena mais severas aos condenados. A delegada do plantão do 3º DP (Distrito Policial) de São Bernardo, Carolina Aguiar, explicou que são os detalhes apurados pela investigação que determinam se o homicídio recebe o agravante. “Quando o assassinato é praticado pelo fato de a vítima ser mulher, no âmbito de violência doméstica e familiar, ou por menosprezo à sua condição”, citou como exemplo.

Na última semana, aconteceram dois novos casos de feminicídio na região. Vanessa Caetano de Oliveira, 38 anos, foi morta pelo namorado Jaime Borges de Lima, 67, em Mauá. Já em São Bernardo, Alessandra Oliveira da Silva, 39, foi assassinada pelo ex-marido, o ajudante de pedreiro Adilson Alves dos Santos, 42. As duas vítimas eram faxineiras e foram mortas com facadas. Lima está preso e Santos foragido.

A consultora em Relações de Gênero Maria Cristina Pechtoll destacou que a Lei do Feminicídio é uma conquista do movimento de mulheres. “Foi complementar à Lei Maria da Penha, que prevê não apenas a punição do agressor, como medidas preventivas. O afastamento do autor da violência, discussão nas escolas sobre relações de gênero, abordando a violência doméstica e ações de ressocialização para os condenados”, pontuou.

Para a especialista, o não cumprimento integral do que prevê a lei colabora para que aconteçam mais feminicídios. “A violência é a expressão do machismo, que considera a mulher como objeto. O feminicídio é fruto disso”, avaliou. “Tenho visto com tristeza o avanço dos casos. Existe uma relação com a crise financeira, cortes no Orçamento dos governos, extinção de secretarias e departamentos que tratam dos direitos das mulheres e a própria falta de recursos do cidadão estão relacionados. O homem é criado nessa lógica machista de que tem de ser o provedor e, quando não é, se sente humilhado. Boa parte reage com violência.”

Mestre em Direito Penal e professora da Faculdade de Direito de São Bernardo, Celia Regina Nilander explicou que o agravante é uma das formas de tentar coibir a ocorrência dos crimes. “Prevê uma pena mais dura, o condenado leva mais tempo em regime fechado para progredir para outros regimes. Punir com mais rigor para que a mulher tenha mais proteção”, completou.

A professora citou, ainda, que cabe ao juiz, no momento da sentença, determinar se o agravante será aplicado ou não. ‘É uma questão subjetiva, que obedece a alguns critérios, mas normalmente, assassinatos ocorridos em uma realidade de violência doméstica e conflito familiar sempre recebem esse agravante”, finalizou.

‘Não morri porque denunciei’, afirma vítima

“Quando se fala em feminicídio as pessoas pensam que a violência está na periferia. As notícias dos últimos dias mostram que a morte das mulheres está em todos os lugares, assim como o medo e a vergonha. Com 45 anos , curso superior, mestrado e experiência profissional, sempre vi a violência contra a mulher nas páginas dos jornais, até que minha filha, hoje com 7 anos, e eu, viramos personagens”, relata Maria (nome fictício).

Ela relata que a filha foi abusada pelo pai e, após denúncia, sofreu agressões físicas e teve até de mudar de endereço para proteger a família. “O primeiro momento é de dor. A família não quer se envolver, a gente não sabe como vai bancar tudo sozinha. Minha filha e eu encontramos no serviço público da região o apoio que precisávamos para recomeçar nossas vidas. E não importa a classe social, quando uma mulher sofre violência é para o serviço público que corre. Na Delegacia da Mulher e nos serviços que nos atenderam faltavam infraestrutura, internet, mas sobrava profissionalismo”, ressalta.

Atualmente, mãe e filha fazem terapia e aguardamos punição judicial pelas violências sofridas. “É preciso ter claro que a mesma Justiça que vai determinar a pena, caso ele seja condenado, concedeu a ele, que cometeu abuso sexual, o direito de visitas quinzenais à filha. Quem gostaria de receber visitas de um criminoso?”, revolta-se.

Maria cobra maior rigor na aplicação das penas previstas na Lei Maria da Penha. “Não morri porque denunciei.”




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