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Chega aos cinemas a parte final de 'O Senhor dos Anéis'
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
24/12/2003 | 14:00
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Como diz o personagem Samwise Gamgi (Sean Astin) nos minutos finais de O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei, “agora acabou”. Finalmente, quase cinco anos depois de iniciadas na Nova Zelândia as filmagens da epopéia baseada na trilogia literária de J.R.R. Tolkien (1892-1973), o diretor Peter Jackson passa a régua, fecha sua conta com o cinema-espetáculo ao entregar o último longa-metragem da série de três. O épico, de 3 horas e 20 minutos, estréia nesta quinta-feira em 15 salas do Grande ABC, além de São Paulo.

Há a facção de espectadores movida pelo sentimento de perda, e outra, aliviada pelo fim da saga iniciada com O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel (2001) e O Senhor dos Anéis – As Duas Torres (2002). Da parte dos chorosos, a falta se fará da expectativa de conhecer as soluções visuais que Jackson arrumaria, ano a ano e filme a filme, para materializar as letras de Tolkien.

Da mesma legião é a tese de que As Duas Torres, o segundo filme, supera as qualidades do primeiro, A Sociedade do Anel. Fica, portanto, demonstrado que Jackson logrou naquilo que esperava a maioria dos fãs de Tolkien, maravilhou quem estava disposto a ser deslumbrado – como bem disse parte da crítica quando do lançamento dos primeiros filmes. Para esses, O Retorno do Rei representará um êxtase sensorial, o nirvana audiovisual.

A história está cindida em duas frentes, como se soube ao fim de As Duas Torres. De um lado, os hobbits (seres com 1 metro de altura e pés peludos) Frodo (Elijah Wood) e Samwise prosseguem na viagem rumo a Mordor para destruir o Um Anel, jóia forjada pelo vilão Sauron para centralizar o governo da Terra Média e escravizar os homens. De outro lado, após a vitória no abismo de Helm, encontra-se o restante da Sociedade do Anel, que deve se organizar para resistir aos exércitos do inimigo.

A destruição do anel e os contra-ataques às hordas do mago negro (Sauron) apresentam-se como a última esperança para a prosperidade da humanidade. O que depõe (e muito) contra Peter Jackson é que a série de livros O Senhor dos Anéis tem no estilo absurdamente descritivo sua graça e sua fragilidade. Por tentar fazer verossímil uma civilização povoada por magos, elfos, trolls e orcs, Tolkien detalha em incontáveis pormenores cada ser vivo, cada dialeto, cada formação geológica, o calendário da Terra Média etc.

Jackson perde o benefício da discrição e entrega-se a uma dicotomia: apesar dos riquíssimos efeitos especiais, O Retorno do Rei – bem como toda a trilogia – é de uma indefinição dramática e cinematográfica flagrante. Assim, a quintessência do épico new age passa longe da inventividade.

Limpinhos ou banguelas – O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei é uma cadeia de seqüências espetaculares. O mago Gandalf (Ian McKellen), o elfo Legolas (Orlando Bloom), o anão Gimli (John Rhys-Davies) e Aragorn (Viggo Mortensen), guardião que se revelará rei da Terra Média, reúnem batalhões e recrutam até guerreiros mortos (a Companhia Cinzenta) para fazer frente aos inimigos que estão próximos de invadir Gondor, a cidade dos monarcas. Corta para Frodo e Sam que, guiados pelo monstro Gollum, rumam à Montanha da Perdição para dar fim ao anel. Corta para a batalha de Pelennor, o combate definitivo entre bem e mal. E corta para o encontro de Frodo com Laracna, uma aranha descomunal que deseja o hobbit para a ceia.

Cenas encadeadas que objetivam o transe visual do espectador e deixam pelo caminho, sem conclusão, subtramas como a atração da princesa Éowyn (Miranda Otto) por Aragorn. O diretor Jackson prescinde da criatividade e da sutileza. As emoções em O Senhor dos Anéis são pré-fabricadas. Por exemplo, se o apelo pede uma óbvia câmera lenta, o cineasta não se intimida a utilizá-la. Isso sem contar a música de Howard Shore, nauseante e onipresente, ora cantada por Annie Lennox (do Eurythmics).

Características que apontam a trilogia como o apogeu do espetáculo encerrado em si mesmo, que se faz perceber especialmente nas seqüências de batalha com os olifantes (gigantescos mamutes), que assimilam referências de Star Wars – O Retorno de Jedi (1981) e seus robôs quadrúpedes, que por sua vez remetem ao próprio livro de Tolkien, publicado nos anos 50. Uma salada intertextual.

Os mocinhos são limpinhos, asseados, fadados à iluminação; os bandidos são feios de dar dó, banguelas e gosmentos. Gollum, personagem criado inteiramente por computação, representa o meio-termo entre esses arquétipos, seduzido pelo poder do anel. A criatura, diferentemente dos nazgûl (nove espíritos de reis corrompidos que servem a Sauron), ainda alimenta dúvidas sobre sua natureza, se é boa ou má. O prólogo de O Retorno do Rei conta as origens desse ser que já foi um hobbit, então chamado Sméagol.

Filme e livro giram em torno da tal corrupção, supõem que ela seja inconsciente ao homem e só despertada por um elemento externo – no caso, o anel. O Retorno do Rei, o filme, capenga para concluir essa que é a principal linha ideológica da trama. A despeito do que dizem, nem é tão fiel assim à fonte literária, pois limou de sua metragem a luta final entre Saruman (Christopher Lee) e os hobbits quando estes voltam para o Condado, sua terra natal. Peter Jackson, em vez disso, aposta num emaranhado sem fim de desfechos para contar os destinos da Sociedade do Anel nos minutos finais, que dão a impressão de terem sido editados durante um período de narcolepsia (distúrbio do sono incontrolável) da equipe de montadores. Parece até lorota quando o “the end” estampa a tela.




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