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O best-seller da história
Por Luciane Mediato
Especial para o Diário
23/04/2011 | 07:16
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A nossa história desperta interesse como aprendizado e cultura. Livros que falam do nascimento do Brasil até a atualidade não faltam, mas livros como 1808 e 1822 de Laurentino Gomes merecem destaque. Em um mercado dominado por romances juvenis e livros de autoajuda disfarçados de ficção e não ficção, enfim há um motivo para comemorar: a história brasileira está na moda. O autor conversou com o Diário/CF sobre esse mercado e os seus livros.

DIÁRIO - Como surgiu a ideia de escrever livros sobre a história do Brasil?

LAURENTINO GOMES - O primeiro livro, "1808", foi resultado de uma reportagem que não foi publicada. A pesquisa que tinha em mãos sobre o assunto era tão boa que resolvi seguir por conta própria. Uma obra foi puxando a outra e hoje eu estou escrevendo o "1889" que fala sobre a proclamação da República e a construção do Brasil no século 19.

DIÁRIO - Quais são as diferenças entre os seus livros e os escritos por historiadores ou acadêmicos?

LAURENTINO - Eu não faço um trabalho convencional de pesquisa acadêmica na área de história. Isso já tem quem faça, e faça bem. Eu leio muito sobre o assunto, pesquiso documentos, mas principalmente vou aos locais onde as coisas aconteceram há 200, 180 anos, porque esses locais guardam ainda informações muito preciosas para um jornalista que tem um olhar atento.

DIÁRIO - Por que os livros dos historiadores não são bem aceitos pelo público e o seu e o de outros autores batem recordes de venda?

LAURENTINO - Acredito que a linguagem seja o grande problema dos acadêmicos. Os textos acabem ficando técnicos demais. Não sou contra isso, não: é uma linguagem que a academia usa para se entender. São especialistas falando com especialistas. Já o jornalista se vale de uma linguagem mais acessível, mais didática, porque ele está se comunicando com um público muito mais amplo do que o acadêmico. Isso gera alguns mal-entendidos. Tem gente que diz que jornalistas não deveriam escrever sobre história e reclama que os livros de história não vendem. Além disso, existem muitos jornalistas contando bem os acontecimentos. Costumo dizer que a gente faz e escreve a história do cotidiano.

DIÁRIO - Seus livros mostram peculiaridades e detalhes que eram desconhecidos pela população sobre o período da vinda da família real para o Brasil e a construção de nossa sociedade. Como foi realizada essa pesquisa?

LAURENTINO - Nos livros eu busquei fazer uma desconstrução dos mitos da história nacional. E isso é importante, porque desvendar cada acontecimento faz com que tenhamos um conhecimento e análise dos fatos atuais. Exemplos claro dessa mistificação é caso de D. Pedro I, que na época da monarquia era descrito como herói, depois na democratização ele aparece como um mulherengo e jovem inconseqeente, outro é D. João VI visto como rei bobalhão e sem capacidade de tomar decisões. Nas minhas pesquisas encontrei D. Pedro I e D. João VI completamente diferentes destes. Pedro tinha seus problemas, mas era um homem preocupado com o desenvolvimento do País. João era tímido e depressivo, porém muito inteligente e a fuga de Portugal para a colônia não foi covardia. Ele foi o único rei que conseguiu enganar Napoleão e isso é muito.

DIÁRIO - Quais são os motivos para tantas distorções históricas?

LAURENTINO - Todas as manipulações da história aconteceram com intenções políticas. O nosso passado é alvo de construções partidárias tanto da direita quanto da esquerda, tanto do governo quanto da oposição. Por isso há muitos mitos, fantasias, distorções e até versões opostas do mesmo personagem ou acontecimento.

Fatos romanceados

A história é o saber das ciências sociais. Por este motivo o conhecimento do passado faz parte da construção de nossas referências de tempo e espaço.

Para os autores, a recompensa em mediar a divulgação os acontecimentos históricos dos País é trazer o indivíduo para o campo social. "A pessoa passa a reconhecer seus direitos e deveres dentro das circunstâncias externas de seu lugar social", explica o historiador da USP Marcos Silva.

A consciência histórica está ligada à manipulação e à formação de mentes não críticas em função de falsificações deliberadamente inseridas na história do Brasil. "Algumas vezes os livros acabam sendo discriminatórios e homogeneizadores", afirma o historiador.

Buscando a divulgação desse conhecimento com linguagem acessível, autores como o jornalista Lucas Figueiredo investem em pesquisa para trazer à tona assuntos pouco conhecidos. Em seu livro "Boa Ventura!", o escritor traz a febre do ouro como tema.

"No livro, eu não queria só mostrar o lado bruto da corrida pelo ouro brasileiro. Me preocupei em buscar os personagens que construíram os caminhos que fizeram a riqueza das coroas da Espanha e Portugal. Cada detalhe do ser humano modifica os fatos e isso faz saborosa a construção do passado", diz o escritor.

Ele narra com humor o dia em que os dez primeiros gramas de ouro foram encontrados no País e mostra como o evento histórico causou transformações. "A imigração ajudou a aumentar a população, proteger as fronteiras e desenvolver a agricultura."

Traições, intrigas e corrupção são ingredientes da obra. "Quando a esquadra de Pedro Alvares Cabral desviou o caminho do continente africano, era a cobiça da sua bússola. Da nossa corrida do ouro só uma coisa não restou. Seu principal protagonista, o ouro brasileiro, foi pulverizado pela Europa", analisa Figueiredo.

HISTÓRIA DE REIS
Outro escritor que buscou informações sobre o nosso passado é o arquiteto Paulo Rezzutti, do livro "Titília e Demonão", que conta a história das cartas trocadas entre D. Pedro I e a Marquesa de Santos. A obra revela o lado humano do nosso imperador, retratando sua personalidade, conflitos, preocupação com os negócios brasileiros e amor pelos filhos.

Rezzutti traz novo olhar sobre a nossa monarquia. "Só as cartas de D. Pedro negando favores para a Marquesa já demonstram que ele não era manipulado por ela, como muitos inimigos políticos espalharam. O surgimento desse perfil ajuda a trazer luz ao homem que era Pedro, que estava longe de ser um boneco manipulável, o sátiro ou o proto-avô de Macunaíma, ou ainda o ungido, ou o bobalhão que apenas estava no lugar certo na hora certa", explica Rezzutti.

Uma das curiosidades do livro fica por conta da caligrafia de D. Pedro I. "O imperador costumava ter uma caligrafia elegante e bastante legível, quando ela não se transformava de acordo com o seu estado emocional . Ficam bastante claros os dias que ele estava mal-humorado, estressado, com pressa ou emotivo."

Sobre os livros de história do Brasil e a recente valorização dos mesmos, o escritor vê de maneira positiva esse fenômeno. "É importante para qualquer nação conhecer suas origens. Mas quantidade de informação, infelizmente, não é sinônimo de qualidade. Alguns acadêmicos reclamam da vulgarização provocada pelos historiadores autodidatas, estes reclamam do linguajar acadêmico. A ideia de se democratizar a informação histórica para o grande público é boa, mas até que isso aconteça haverá ainda muito choro e ranger de dentes", acredita Rezzutti.




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