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Beckett em novas traduções
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22/12/2009 | 07:00
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Samuel Beckett está morto há 20 anos. Oficialmente, ele parou de respirar no dia 22 de dezembro de 1989, aos 83 anos, mas esse é apenas um dado para burocratas. Beckett está mais vivo que nunca.

Mesmo tendo surrupiado uma frase de "A Vida é Sonho", de Calderón de La Barca, para dizer, em 1969, que o delito maior do homem é o de ter nascido, Beckett não conseguiu realizar seu maior intento, o de ter sido um natimorto e se livrar do peso de uma visão epifânica no quarto da mãe.

Foi em 1945, em Dublin, que seu futuro literário lhe foi apresentado como em um filme, no qual o dramaturgo irlandês, antes de criar Esperando Godot, se viu como um autor condenado a escrever sobre a própria experiência existencial - e de modo tão subjetivo que poucos seriam os eleitos a entender a mensagem cifrada de um literato agraciado pelo dom da clarividência, mas amaldiçoado com o peso da ignorância - e o Nobel de literatura de 1969, que não foi receber.

Por que alguém, afinal, premiaria uma vida marcada pelo absurdo e ainda justificaria o ato como o reconhecimento de "uma escritura que, ao tratar da degradação do homem, o elevaria"? Foi isso que Beckett fez? Não, mas foi como a Academia Sueca viu sua obra. Na verdade, se ela tivesse esperado mais 20 anos, isto é, até a morte de Beckett (1989), veria que sua obra caminhava, sim, para diluir essa espécie de mutação antropológica, o homem do século 20, num discurso literário de beleza estonteante - e incrivelmente acessível - o de um texto derradeiro "Ill Seen Ill Said" (Mal Visto, Mal Dito), em que Beckett finalmente se livra do peso de sua epifania. Já não eram mais suas memórias, mas apenas palavras. Belas palavras.

Talvez tivesse chegado à conclusão, como sua alienada Winnie, da peça "Dias Felizes" (1960), de que, apesar de tudo - e isso inclui estar enterrado até o pescoço e ser ignorado pelo semelhante, como a personagem da peça - tivera algum tipo de felicidade, ainda que efêmera, em vida.

REEDIÇÕES - "Dias Felizes" ganha nova tradução e vai ser lançada pela Cosac Naify em 2010, a mesma editora que colocou no mercado novas traduções das peças "Esperando Godot" e "Fim de Partida", além do primeiro texto escrito em francês por Beckett, "Primeiro Amor", e ainda o ensaio "Proust", um antigo estudo (de 1931) sobre o autor de "Em Busca do Tempo Perdido", em que Beckett anuncia os temas que depois seriam tratados em suas peças: a solidão do homem, o peso da memória, o difícil relacionamento humano e a percepção do absurdo existencial. Para o próximo ano, a Cosac Naify ainda promete a publicação de uma Antologia Beckett, com textos críticos sobre o autor.

Nascido numa família irlandesa protestante, Beckett estudou no mesmo colégio por onde passou Oscar Wilde. Sua estreia literária foi em 1930, com Whoroscope.




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