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O petróleo é nosso
Por Rodolfo de Souza
31/10/2019 | 07:00
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O óleo tingiu de preto o verde do mar, e de vermelho os olhos que testemunharam, incrédulos, o desastre.

O óleo encheu de dor os moradores da região, sobretudo, quem vive das belezas e da vida de suas águas. Também fez sangrar o coração das pessoas que, embora distantes, amam a natureza e não concebem vê-la destruída pelas mãos daquele que se ajoelha diante do dinheiro e dá as costas para o que de fato tem valor nesta vida. E, por desprezar o belo, o natural e tudo aquilo que é avesso ao mau gosto, é que se dá ao desfrute de sabotá-lo. Como faz com a arte e qualquer tipo de manifestação cultural, que, por fugirem ao seu entendimento, lhes soam hostis.

Mas repentina e silenciosa foi chegada do óleo. Ninguém sabia ou sabe de sua procedência.

As pessoas só aguardaram que o poder se pronunciasse e providenciasse a contenção da sujeira. Mas nada disso aconteceu. O poder, a quem cabe responder e agir com presteza, estava distraído e, preocupado com questões de maior relevância, estendeu os braços para o alto, bocejou longa e ruidosamente e foi dar um passeio pelos jardins do oriente, lá onde tudo funciona direitinho.

Mas veio de graça o óleo, que é tesouro cobiçado no mundo todo! Alguém por certo perdeu muito dinheiro esparramando-o no mar. Ou, de repente, pode ter ganhado o dobro ou o triplo do seu valor, perdendo-o nas águas da costa deste triste rincão onde tudo acontece. Até óleo bruto surge sem a necessidade de se perfurar o solo. Brincadeira?!

E os mergulhadores encontraram corais cobertos da substância. A tartaruga sufocou por ter o corpo envolto numa mortalha gosmenta e negra. O pássaro marinho agonizou na areia, sem saber o que se passava. E a população assistiu, aterrorizada, à chegada ao seu paraíso do ouro que não reluz. E aguardou pacientemente o socorro. E como ele não viesse, decidiu, ela mesma, meter a mão na massa preta que veio só para danificar a natureza e cercear a vida. Mergulhou literalmente no óleo que as ondas traziam, peneirando e peneirando para levar o que pudesse para a areia. Recolheu-o também da areia e das pedras. Não poupou esforços. O amor pelo seu belo pedaço de chão e o amor pela natureza fez com que o povo simples visse seu corpo coberto pela massa negra, sem pensar nas consequências daquela aventura. Desejou tão somente ver livre da sujeira o seu santuário.

Mas finalmente o poder deu as caras. Esteve lá para conferir de perto a tragédia, e também por considerar de bom tom dar uma satisfação à imprensa. Acusou, por conseguinte, A e B, sem qualquer convicção. Pareceu-lhe, afinal, conveniente se eximir do pecado que não lhe fora imputado. Retirou-se, entretanto, sem mais delongas.

E o povo voltou à luta. Luta para retirar da água, da areia e do corpo toda a porcaria que o mar trouxe. Gente valente que trabalhou duro e sem equipamento, que enfrentou com a cara e a coragem o presente de grego e o desdém do poder para com a natureza e para com a região em que se deu o sinistro.




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