Política Titulo
Denúncia flagra farra de carros oficiais
Mark Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
20/02/2011 | 07:06
Compartilhar notícia
Divulgação


Não bastasse o governo de Mauá atravessar uma de suas piores crises, agora é a vez da Câmara Municipal protagonizar um escândalo. De acordo com denúncia impetrada na Promotoria Pública da cidade, os vereadores têm utilizado os carros oficiais do Legislativo para praticar políticas assistencialistas e para fins pessoais e eleitoreiros.

Transportar moradores com carros oficiais da vereança para a realização de consultas e exames nos hospitais estaduais do Grande ABC (Mário Covas, em Santo André, e Serraria, em Diadema) é uma das situações listadas no documento. Mas o flagrante se dá em caso envolvendo Ozelito José Benedito, o Irmão Ozelito (PSB), cujo carro a serviço de seu gabinete foi fotografado transportando material de sua campanha para deputado estadual, no ano passado.

A imagem, de 17 de julho de 2010, mostra o veículo, placa CZA 5007, carregando cartaz publicitário do socialista na corrida à Assembleia - com 24 mil votos, perdeu a disputa. Ozelito alega ter sido vítima de armadilha de um ex-assessor (leia reportagem abaixo).

 

IMPROBIDADE

A utilização de carros oficiais em atividades políticas ou partidárias fere a lei federal 9.504/97. "São proibidos aos agentes públicos ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta", versa o item 1 do artigo 73.

A irregularidade pode gerar ação por improbidade administrativa contra os autores do ato, inclusive com direito à restituição aos cofres municipais. Todo e qualquer automóvel oficial tem de ser utilizado pelo servidor público seja efetivo (concursado) ou comissionado (cargo de confiança) na função para que foi adquirido. No caso da Câmara, exclusivamente para trabalhos inerentes ao mandato do vereador.

 

PRÁTICA É ANTIGA

O autor da denúncia, protocolada na Promotoria na quinta-feira, é o líder comunitário João Lopes, o João de Mauá (PSDB), que diz que o uso de carros oficiais de forma ilegal, seja para a prática de assistencialismo, seja para transportar material de campanha, ocorre há no mínimo 15 anos pela maioria dos vereadores mauaenses.

"Sinto-me indignado porque vereador recebe salário compatível com a função e usa em benefício próprio o que é do povo. Apropriam-se de patrimônio da população para praticar o clientelismo e, assim, garantir votos", observa o tucano.

Ele atenta que, para a maior "comodidade" dos assessores dos parlamentares (que servem como motoristas de moradores que vão para os hospitais), os carros oficiais muitas vezes "dormem" nas casas dos funcionários, o que também é ilegal. Os automóveis têm de pernoitar obrigatoriamente na garagem do Legislativo.

 

Irmão Ozelito se diz vítima de armadilha

 

O vereador Irmão Ozelito (PSB), cujo gabinete é o responsável pelo carro da foto (informação que foi confirmada por relatórios da Câmara), tenta passar o momento turbulento provocado pela denúncia da farra dos veículos oficiais sem respingos. Assim, defende-se sob o argumento de que foi vítima de armadilha arquitetada por um ex-assessor.

 "Foi ele que montou tudo para me prejudicar", diz. O ex-funcionário em questão foi identificado pelo socialista apenas pelo primeiro nome: Vanderlei. Questionado sobre o sobrenome, recusou-se a passar a informação, temendo complicações futuras.

Ozelito, no entanto, afirma que autorizou o veículo a ficar com o assessor durante o período que atingiu sua campanha para a Assembleia. "Ele era assessor de rua. Ouvia as demandas e prestava atendimentos à população. Tudo referente ao mandato", garante.

Por outro lado, admite não ter sido capaz de fiscalizar todas as ações desempenhadas pelo ex-subordinado. "Não tem como fiscalizar tudo 100%. Logicamente que no meio do caminho para um determinado trabalho ele pode ter acabado por fazer um favor a alguém", salienta, sobre a hipótese de o automóvel ter sido utilizado também para atos assistencialistas.

O parlamentar afirma ter ciência de que o uso do carro oficial para fins políticos e eleitorais é ilegal, e que, portanto, não teme ser alvo de processo por improbidade administrativa, o que poderia enquadrá-lo inclusive na Lei da Ficha Limpa, o que o deixaria inelegível por oito anos (leia reportagem abaixo).

 "Tudo tem de ser investigado e colocado às claras. O responsável por usar o carro era o Vanderlei. A armadilha que ele montou precisa ficar clara."

 

EXONERAÇÃO

O assessor foi exonerado do Legislativo em janeiro, segundo Ozelito, por "andar em desacordo" com as propostas de seu mandato. "Quem não está no poder quer entrar. E ele queria ser candidato. Por isso tentou me derrubar", considera.

As imagens com o carro do gabinete de Ozelito transportando material de sua campanha para deputado estadual em 2010 foram agrupadas em um CD e encaminhadas à Promotoria, acompanhando o ofício.

 

Aldo está inelegível pelo mesmo motivo

 

O ex-vereador de São Bernardo Aldo Santos (Psol) enfrenta problemas com a Justiça Eleitoral justamente pelo uso indevido do carro oficial da Câmara. Em 2003, o então parlamentar enviou uma Kombi para auxiliar na remoção de crianças e idosos em invasão do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) no terreno da Volkswagen, considerada a maior ocupação urbana do País.

A promotoria destacou que Aldo Santos praticou ato de improbidade ao disponibilizar veículo e materiais do poder público aos manifestantes. No ano passado, ele foi condenado em segunda instância, após ter sido absolvido em primeira, a cinco anos de inelegibilidade e a pagamento de multa de R$ 70 mil pelo TJ (Tribunal de Justiça).

Por isso, durante sua candidatura para vice-governador em 2010, em chapa encabeçada por Paulo Bufalo (Psol), foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Às vésperas da eleição, foi substituído na chapa pelo ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, Antonio Carlos da Cruz, o Tonhão Brother.

Aldo Santos aguarda o julgamento de recurso no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), a última instância do judiciário nacional.

A ocupação no terreno da Volkswagen chegou a ter 7.000 invasores, que consideravam a área ociosa. Após confusões, briga judicial e uma morte, os sem-teto deixaram o local em 7 de agosto de 2003, após a Justiça conceder reintegração de posse à automobilística.

 

Para presidente, acusação é legítima, ‘independentemente do cheiro'

 

O presidente da Câmara de Mauá, Rogério Santana (PT), disse que aguardará a consistência da acusação de utilização irregular de carros oficiais para tomar providências. Ele classificou que a denúncia é legítima, "independentemente do cheiro".

 

A declaração é em virtude de a ação ter partido de João Lopes, que foi candidato a vereador em 2008 pelo DEM e aspira repetir o feito em 2012, só que pelo PSDB, seu atual partido. "No Brasil, quase tudo tem fins eleitoreiros. Normal para um País que se priva de abrir ampla discussão sobre a reforma política", analisa.

Com o olfato aguçado, o petista abrirá sindicância interna para apurar o caso, considerando os fundamentos da denúncia. "Aguardarei a publicação da reportagem ou uma notificação de que a acusação foi encaminhada ao Ministério Público. Os carros oficiais devem servir exclusivamente para o trabalho do vereador", reconhece.

O fato de o tucano ter encaminhado a denúncia diretamente à Promotoria causou estranheza em Rogério. "Sempre estivemos abertos a ouvir os reclames dos munícipes. O João é figura que acompanha quase todas as sessões. Ele poderia ter usado a tribuna livre, por exemplo. Aí já estaríamos investigando", ressalta. "Mas ir para o Ministério Público é direito dele."

O petista estuda criar a Ouvidoria da Câmara para aprimorar o sistema de recebimento de denúncias feitas pela população.

 

CAUTELA

A farra do uso dos carros oficiais é de conhecimento comum na edilidade. O próprio presidente da Câmara afirma que ouve comentários a respeito, mas que nunca recebeu uma denúncia concreta ou que se confirmasse. Uma delas, em 2008, tratava justamente sobre o transporte de material de campanha.

Por isso, prega cautela com o documento protocolado no MP. Em linha quase que corporativista, tenta tranquilizar os pares que estão envolvidos. "Não posso expor o vereador por expor. Sei que tenho a obrigação de investigar a situação perante denúncia consistente, mas tenho de ser cuidadoso", pondera.

Diante dos comentários de corredores, o petista publicou a portaria 209, de maio de 2009. A medida, contudo, é branda. O artigo 8 veda o transporte em carro oficial somente de portadores de doença infectocontagiosas, sem regulamentar os fins.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;