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Daqui não saio
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
07/04/2007 | 07:10
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Perto de atingir 100 mil espectadores este mês, a comédia O Avarento tem dois trunfos. Um é o texto de Moliére (1622-1672), humor com fôlego para atravessar gerações. O outro é o ator Paulo Autran, que interpreta o velho pão-duro Harpagão. Feliz em seu 90º espetáculo teatral, aos 84 anos, Autran está em cartaz até julho no Teatro Cultura Artística, em São Paulo.

“É um desses milagres em teatro. Temos média de 850 espectadores por sessão e dias em que gente fica pra fora. As piadas escritas há 400 anos funcionam todas. Achei impressionante a quantidade de pessoas do Grande ABC que vêm ver a peça. A produção constatou que Santo André, São Bernardo e São Caetano são as cidades de onde vêm a maioria”.

Autran divide o sucesso. “Essa qualidade tem cenários de Daniela Thomas, elenco excelente e um jovem diretor, Felipe Hirsch, muito bom. A peça é um mar de rosas, sem intriguinhas nem laranjas podres”. Por “laranjas podres” Autran se refere a pessoas que atrapalham sem ajudar, e que perturbam o grupo.

Há exatas duas semanas, quando conversou com o Diário, Autran havia parado de fumar fazia três dias, hábito que cultivava há décadas, sem nunca fazer menção de largar. Porém, foi forçado. “Estava tossindo muito, e teatro depende das palavras”. O risco de sofrer um câncer no pulmão e de enfrentar uma quimioterapia devem ter pesado.

Parou de acender cigarros, mas não larga outro vício. O ritmo é menor, devido à idade, mas do palco ele não sai. “Estou velho, só faço uma peça por ano. Parar de atuar, não. Não fico enfurnado em casa”. Novela só fez quatro, Pai Herói (1979), Os Imigrantes (1981), Guerra dos Sexos (1983) e Sassaricando (1987). “Só farei outra se for papel curto. Não gostaria de ficar preso a vários dias de gravações, mas só me convidam para papéis longos”.

Autran não tem computador (“Sou um velho velho mesmo”) e nem rituais para entrar em cena. “Quando dá tempo, durmo uns 20 minutos. E tenho sorte, pois na minha idade não enfrento dificuldade de decorar, graças a Deus”. À tarde, grava poemas para o programa Quadrante, da Rádio Band News FM. Quando não tem espetáculo, trabalha em traduções.

O Avarento, em cartaz de quinta-feira a domingo, encerra temporada em julho e em setembro vai a Portugal. São oito atores e um cenário composto por caixas de madeira com nichos que se abrem como portas ou janelas, sugerindo austeridade de uma casa em que o dono é um pão-duro de fazer inveja a Tio Patinhas. Com Autran estão sua mulher Karin Rodrigues, Elias Andreatto, Luciano Schwab, Claudia Missura, Gustavo Machado, Arieta Côrrea e Tadeu Di Pyetro.

Harpagão é capaz de oferecer um precioso objeto, relíquia há gerações na família, a seu filho em troca de alguns trocados. O sexagenário personagem só tem olhos para suas queridas 10 mil patacas economizadas a custa de vestir trapos, usar apenas um pé de sapato e poupar o outro, se fazer de surdo quando lhe pedem dinheiro... É essa triste figura que quer se casar com uma jovem da vizinhança. Mas é o filho do avarento que se enamora da moça sem que o pai saiba. Este arranja para os filhos casamentos de conveniência monetária – para ele próprio, é óbvio. Nesse qüiproquó, Harpagão libera pérolas da avareza, sombria faceta humana que os atores representam com o único compromisso de fazer rir. “Todo mundo conhece um Harpagão, um doente imaginário, um burguês ridículo. Moliére caçoou de todos os vícios humanos”, diz.

Autran está descontente com o aumento do custo de todo tipo de serviço profissional em teatro, que ele chama de “conseqüência funesta” das leis de incentivo, que repassam à cultura verba que seria paga em impostos. “Um espetáculo era feito com R$ 200 mil. Hoje, o mais simples não sai por menos de R$ 500 mil. Estão cobrando dez vezes mais. Por isso o preço do ingresso aumentou muito”. Harpagão conheceu a ganância, a irmã da avareza.



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