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Vl.São Pedro tem artista solidário

João Nicanor da Silva Filho doa seu tempo para dar aulas de violão, teatro, canto e pintura a jovens da periferia de São Bernardo, tudo de graça

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
04/07/2015 | 07:00
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Ser artista é um estado de espírito. Pelo menos para o pintor João Nicanor da Silva Filho, 59 anos. O morador da Vila São Pedro, bairro periférico de São Bernardo, transformou a pequena garagem onde vive em espécie de ateliê. Lá, é capaz de dividir o todo o conhecimento adquirido no CPT (Centro de Pesquisa Teatral) de Antunes Filho, na Capital, com 29 crianças carentes da região gratuitamente.

O espaço de cerca de 20 m² é alugado por R$ 350 mensais. Apesar de haver um pequeno banheiro, não há chuveiro, o que indica que o balde de água fria localizado embaixo da minúscula pia é usado para tomar banho. Conforme o locatário, tudo o que está no interior da garagem é oriundo do lixo ou de doações: uma cama de solteiro, uma arara com dez peças de roupas penduradas, duas geladeiras quebradas, uma televisão, um sofá, três cadeiras, além de violões remendados, placas de madeira transformadas em telas para pintura, microfones feitos com cabos de vassoura, pincéis e tintas espalhados pelo local.

“Prefiro estar na favela. Aprendi com os meus pais, que morreram quando eu tinha 11 anos, lá em Guaxupé (Minas Gerais), que o dom é algo que precisa ser repartido”, considera Filho. O amor pela arte começou cedo. Segundo ele, aos 4 anos já interpretava um dos três reis magos na peça teatral da escola. “Infelizmente, não é fácil sobreviver de teatro no Brasil. Tive de aprender outro ofício para sustentar meus três filhos”, afirma.

Para que a paixão pelo teatro não morresse, Silva Filho criou escola de arte no ano 2000. “Fiz uma homenagem aos meus quatro netos e o nome ficou engraçado: Rylalenahei”, brinca. Além de aulas de teatro, os alunos podem optar por aprender violão, canto e pintura. “Tem umas 19 crianças na fila de espera para participar, mas não consigo atender todo mundo porque tenho muita dor de cabeça”, revela. As fortes dores são consequência de um aneurisma cerebral, descoberto pelo artista em 2014.

Mais que professor de arte da criançada, Silva Filho se considera um orientador. “A gente acaba fazendo até mesmo o papel de pai. Uso minha experiência de vida para indicar um caminho diferente do meu”, ressalta. Isso porque, segundo o artista, alguns erros cometidos por ele, relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas, podem ser responsáveis pela sua situação humilde atualmente. “Eu também era rebelde. Neguei fazer um teste na Globo porque não aceitei que se tratava do papel de um escravo”, lembra.

Atualmente, o brilho nos olhos de Silva Filho denuncia o momento de felicidade que está vivendo. Na próxima semana, o artista parte para o Equador, onde participará da gravação do filme Los Ángeles No Tienen Alas (Os Anjos Não Têm Asas, na tradução), coprodução cinematográfica entre Brasil e Equador dirigida por Enrique Boh Serafini. “Da favela para o mundo. Fiz um teste bem pretensioso até e fui escolhido. Vou interpretar o pai da protagonista”, orgulha-se. Dedicado, o morador da Vila São Pedro diz que o roteiro já está todo na cabeça, mas agora trabalha para aperfeiçoar o espanhol, idioma que dará o tom ao longa.

Um dos alunos do artista, o conferente Matheus Cesar Aparecido, 19, destaca a importância das aulas para sua formação cultural. “Arte era a televisão para mim. Não tinha apreço pelo teatro, pela dança. Hoje amo ler, coisa que jamais imaginei que fosse gostar. Meu sonho é trabalhar com a arte”. Para o professor/pai, o discurso do aluno/filho é o que realmente tem valor na vida. “Felicidade é ver as crianças tendo esperança e fazendo um futuro melhor”, considera.

Carrinho de churrasco é tradicional

A Vila São Pedro é um bairro que poderia ser considerado uma cidade, tendo em vista a presença de 65 mil habitantes. Como acontece em toda região periférica, um dos pontos de encontro mais famosos da localidade é um tradicional bar. No caso do carente espaço de São Bernardo, um dos botecos mais frequentados é o Bar do Alemão.

Localizado na Avenida Jardim, o estabelecimento foi inaugurado há cerca de 14 anos, sete após seu proprietário, Francisco da Silva, 51 anos, estabelecer morada no bairro. O diferencial do espaço é a presença certa do carrinho de churrasco na calçada, em frente ao bar, todos os dias, entre 14h e 22h. “Estava cansado da vida de metalúrgico e resolvi abandonar o emprego na firma para me tornar trabalhador autônomo. Felizmente deu certo e estamos aqui até hoje”, comemora Alemão.

Os frequentadores do espaço e também o pessoal que está de passagem pela rua são fisgados pelo perfume de churrasco oriundo da carne sendo assada. O movimento é mais intenso no fim do dia, segundo Alemão. Isso porque coincide com o horário em que os moradores retornam do trabalho e aproveita para tomar um aperitivo e também comer uns espetinhos antes de ir para casa. Outro nicho de clientes fiéis são as crianças e pais que circulam pelo local após a saída das escolas localizadas no bairro.

“Vendo em média 70 a 80 espetinhos por dia. É um bom número, mas não posso fazer muita propaganda porque pode ser que apareça um monte de carrinhos de churrasco por aqui na próxima semana”, brinca o proprietário.

Apesar de não haver muita variedade nos espetos – concentrados entre carne e linguiça – o sabor é garantido, ressalta Alemão. Cada um custa R$ 3.

Nascido na Capital, Alemão se mudou para São Bernardo quando ainda era criança. Segundo ele, é impossível abandonar a cidade que tão bem o acolheu. “Constituí família, criei meus dois filhos e posso dizer que tenho uma vida feliz. Aqui é bem sossegado e fiz muitos amigos”, destaca.

Time da cidade mantém projeto social para ensinar futebol aos jovens

Denominado Projeto Tigrinho, o trabalho social idealizado pelo São Bernardo Futebol Clube, equipe da cidade, em parceria com a Prefeitura, mantém sede de atividades na Vila São Pedro há oito anos. A proposta é atender crianças e jovens com idade entre 7 e 16 anos, no contraturno escolar, com atividades esportivas e, assim, promover conceitos de cidadania aos beneficiados.

O projeto, idealizado pelo Tigre, atende 8.500 crianças e adolescentes e é voltado para tirá-los da rua e oferecer oportunidades no futebol, além de ensinar valores de cidadania e respeito e exaltar o espírito esportivo e competitivo. A ação já está presente em Diadema, no litoral de São Paulo (Bertioga, Itanhaém e São Sebastião), no Interior (Suzano) e também em Minas Gerais (Açucena). Para participar das atividades, os pequenos devem frequentar a escola e apresentar bom rendimento.

As ações dos monitores estimulam tanto o conhecimento técnico sobre a prática esportiva escolhida quanto a valorização de aspectos de justiça, cordialidade, respeito, além da conscientização acerca da importância das atividades esportivas para a saúde.

As aulas de jiu jitsu e futebol acontecem na Rua Santo Antônio, 300. As atividades da arte marcial ocorrem às terças e quintas-feiras e o futebol, nos demais dias. O projeto também está presente em outros 32 pontos da cidade e conta com 38 monitores.

As escolinhas recebem inscrições o ano todo. Para participar, é necessário estar matriculado em uma escola de São Bernardo e ser morador da cidade. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico www.saobernardofc.com.br/tigrinho ou pelo telefone 4330-8155.  




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