"São oito ‘Ós' enchapelados", apresenta Thaís Gulin o seu novo trabalho "ôÔÔôôÔôÔ" (slap/Som Livre, preço médio R$ 20)/DC, que acaba de sair do forno. O desafio de entender não faz sombra à importância de sentir, tarefa que já começa na faixa homônima ao álbum, a primeira do disco.

A obra reflete um estado de espírito, a convergência das experiências da cantora curitibana radicada no Rio de Janeiro há nove anos em busca do sentido da Cidade Maravilhosa.

"O Rio é a minha verdade, onde fiquei adulta e entendi que poderia inventar o que quisesse, cantar o que tivesse vontade. Faz três anos que a cidade me invadiu. Antes eu vivia uma vida de galera aqui, não saia do teatro. Hoje, vejo a cidade mais contemplativamente", conta Thaís, que hoje tem 30 anos.

"É uma cidade de muitos opostos, de alegria exaltada e melancolia também. Acho fascinante, tão livre, parece que tem sempre um ventinho passando por você."

Mas não é só liberdade e contemplação, é também parceria e trabalho duro. O primeiro álbum levou Thaís a conhecer importantes figuras do métier, entre elas Tom Zé, Chico Buarque, Otto, Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto, Jards Macalé e Ana Carolina.

"São todos poetas. É tanta liberdade que essa gente tem. Eles são como se fossem um irmão mais velho, daqueles que te pegam pela mão e te fazem enxergar a possibilidade no mundo. Demorei muito para digerir isso."

Começou, então, há uns três anos, o processo de passar de lagarta a borboleta. "Não foi fácil, porque é difícil deixar sair, muito mais do que procurar. Logo percebi que tinha de compor, encarar a minha maneira de escrever. Antes, eu começava uma música e parava para ir ao cinema", declara a cantora, que co-assina três das 13 faixas do álbum e assina duas.

"No primeiro disco eu estava procurando. Era nitidamente uma busca, queria achar meu som, meu repertório. Neste, eu estava querendo explodir, não estava cabendo em mim, em minhas muitas possibilidades."

ÔÔÔÔÔÔÔÔ
A faixa que dá título ao álbum nasceu de uma feita só. Convidada a desfilar no Carnaval carioca, Thais aceitou, e virou motivo de chacota entre os amigos. "Um monte de amigos que nem se conheciam entre si disseram que eu não ia decorar o samba-enredo e atrapalharia a escola."

A vingança veio em letra, melodia e apoteose. "..Vou sair / pr'atropelar seu enredo / a bateria correu, todos os surdos com medo e quem puxava o samba era eu", diz um trecho da canção, um samba distinto, da alta gastronomia musical, com violão, guitarra, bateria, percussão, baixo, surdo, tuba e coro, todos fundamentais na saborosa canção.

A lírica "Horas Cariocas", outra composição assinada por Thaís, também de rebuscada melodia, tem de trunfo a bela letra.

Tom Zé e Chico Buarque, que haviam sido homenageados pela cantora em seu primeiro disco, chegam neste para reverenciá-la, com composições inéditas e participação. "Ali Sim, Alice", do primeiro compositor, é uma deliciosa viagem ao estilo Tom Zé. "Ele compôs essa música para a sobrinha dele de 4 anos, mas o incrível é que coube perfeitamente no espírito do disco. Para mim, é encantadora, não sei usar outra palavra. Ela é leve, parece que flutua", conta a cantora.

A valsa "Se eu Soubesse", em que Thaís divide os vocais com Chico, mostra o compositor carioca de volta à boa forma como letrista, criando, em música, paisagens e romances capazes de tirar o fôlego.

O rock com pitadas de Nordeste "Revendo Amigos" (Jards Macalé e Waly Salomão) e o choro "Cinema Americano", que leva uma pitada de tango, se destacam na bolachinha. Traduzem o humor, a inteligência e a pluralidade de Thaís neste seu segundo trabalho.

"A sonoridade não se prende a gêneros. É mais a sensação de variados sons em uma mesma canção", define a cantora.