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Entre o pop e o clássico
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
01/11/2009 | 07:13
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Som de gente velha e que dá sono. Em geral, esses são os adjetivos que a galera adolescente fornece à música clássica. Caso pertença ao time, se liga em um detalhe importante: quase tudo o que você conhece tem um pezinho nas composições eruditas. Prova disso é que estão superpresentes em outros estilos.

O cantor de rock André Matos (ex-vocalista do Viper, Angra e Shaaman) que o diga; seu trabalho é completamente influenciado pelo clássico. Quem curte seu som pode não saber, mas ele tem formação erudita. Concluiu faculdade de música, especializando-se em composição e regência orquestral. No meio do curso, teve de escolher a qual estilo se dedicaria. "Achei que no rock teria mais liberdade para misturar as duas coisas", diz.

Os roqueiros estão no topo da lista dos artistas que utilizam referências clássicas para compor suas obras (confira abaixo). É unanime a opinião entre eles de que o erudito é a base de tudo. Matheus dos Reis Jóia, 16 anos, de São Caetano, descobriu isso nas aulas de musicalização da Fundação das Artes de São Caetano. Antes, só ouvia rock. "Adoro quando entra o som de coral ou violino. Deixa ainda mais legal", garante.

Dois em um - Thiago Brisolla, 18, de Santo André, é ligado em MPB e música erudita. Aos 10, começou a tocar o bandolim que herdou do avô. Dois anos depois, disse ao pai que queria aprender violino. Hoje, improvisa um som no intervalo das aulas com amigos do Ensino Médio. Ele fica no instrumento erudito e os outros, na guitarra e violão. "Tocamos Metallica, Judas Priest, Black Sabbath, Iron Maiden. Quem chega pede uma música, e a gente tenta fazer", conta.

Tem quem diga que não gosta sem conhecê-la. Não é bicho de sete cabeças. Escutar esse tipo de música pode ajudá-lo a perceber os detalhes e sons dos instrumentos de outros estilos. A introdução de Because (1969), dos Beatles, por exemplo, foi composta a partir dos acordes de Sonata ao Luar, de Beethoven, tocados de trás para frente. Na MPB, os compassos iniciais de Samba em Prelúdio, de Baden Powell e Vinicius de Morais, são os mesmos da Bachiana nº 4 de Villa-Lobos.

"Música (clássica) remete à concentração. Abre a janela para conhecer uma cultura diferente", explica o maestro da Orquestra Sinfônica da Fundação das Artes de São Caetano, Geraldo Olivieri. Segundo ele, as igrejas evangélicas estão ajudando a disseminá-la entre os jovens.

Do baião ao rock nas teclas do piano
Da terra do frevo e do maracatu vem uma jovem promessa da música brasileira: Vitor Araújo, 19 anos, pianista que coloca no liquidificador música erudita, MPB e rock para produzir um som que está conquistando espaço entre adolescentes e ouvintes exigentes. O pernambucano, que iniciou os estudos aos 9 anos, toca - com as mãos ou os pés - de Asa Branca (Luiz Gonzaga) a Paranoid Android (Radiohead). "O erudito, um dia, já foi o popular", afirma.

A referência vem de mestres brasileiros, como Villa-Lobos, Chico Buarque, Tom Jobim, e dos compositores de jazz Miles Davis e John Coltrane. Aliás, de misturas o maestro, compositor, pianista, cantor e violonista Tom Jobim (1927-1994) entendia. Ele é um dos pais da bossa nova, que recebeu influência do erudito e do jazz, mas que tem a cara e o gingado do Brasil. Ouça Chega de Saudade, Samba de uma Nota Só e Águas de Março.

Na opinião de Vitor, a gente também tem de conhecer Yamandu Costa, Dominguinhos, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Edino Krieger, Cláudio Santoro e Camargo Guarnieri. "Assim como nosso corpo não pode se alimentar somente de fast food, nossa alma não pode se alimentar de música sem conteúdo e sem profundidade", explica.

Nota alta - Há tempos, cientistas querem descobrir se a música clássica ajuda no desenvolvimento da inteligência. Para se ter uma ideia, estudo feito na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, em 1997, mostrou que, entre 25 mil estudantes, aqueles que realizavam atividades ligadas à música tiraram notas mais altas nas provas.

Música para a vida toda
Tem gente que desde cedo deseja seguir a carreira musical. É o caso de Marcela Gerizani e Bruna Zenti, ambas de 15 anos, que tocam violoncelo e violino, respectivamente, há dois anos na Orquestra Sinfônica Jovem da Fundação das Artes de São Caetano.

As amigas iniciaram o curso de musicalização aos 5 anos. Aos 6, começaram a aprender os primeiros acordes nos instrumentos pelos quais, hoje, são apaixonadas. "Não me imagino dentista ou engenheira. Até que poderia ser bem-sucedida, mas não seria feliz. Com a música, a gente passa a vida cuidando da alma", afirma Marcela.

Elas sabem que o caminho da profissionalização artística não é fácil, mas garantem que é isso mesmo o que querem. "Na música, a gente sempre está em busca da perfeição", explica Marcela.

Apesar de amarem o erudito, curtem outros estilos, principalmente jazz e música latina. "Não é porque a gente escuta música clássica, que temos de ser caretas", diz Bruna.

Oportunidade para todos
Depois de acompanhar pela TV um incêndio na favela de Heliópolis, em São Paulo, o maestro Silvio Baccarelli decidiu colocar em prática um sonho: levar música clássica à comunidade carente. Foi então que criou o Instituto Baccarelli, organização sem fins lucrativos, que oferece ensino gratuito de canto e instrumentos eruditos a 530 crianças e adolescentes do local.

Aline Ferreira, 15 anos, participa das aulas de coral e viola erudita (nada a ver com a viola caipira, essa é parecida com violino, mas um pouco maior). "Mudou muito a minha maneira de pensar, agir e falar. Amadureci por meio da música."

A estudante já teve a oportunidade de se apresentar com outros jovens na Sala São Paulo e no Teatro Municipal de São Paulo, locais que recebem as orquestras mais famosas do planeta. "Foi bem emocionante. Sinto liberdade quando estou tocando", afirma Aline, que sonha em se profissionalizar na música.




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