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Radamés, que faria 100 anos hoje, segue vivo e essencial
Por Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
27/01/2006 | 08:40
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Radamés Gnatalli (1906-1988) era mesmo um Radar. Pianista, maestro, arranjador e compositor, o músico gaúcho é lembrado hoje pelo centenário de seu nascimento. Não é necessário empreender grande esforço para notar sua viva presença na música brasileira. Até mesmo quem nunca se deu ao trabalho de conhecer sua obra, certamente já ouviu algo criado por ele. Seja a inconfundível introdução de Aquarela do Brasil, a instrumentação camerística de Copacabana, na voz de Dick Farney, as cordas de Carinhoso na versão gravada por Orlando Silva ou mesmo os arranjos feitos para a inesquecível e saudosa série dos Disquinhos – aquelas “bolachinhas” coloridas, com histórias infantis.

Mas a maior contribuição de Radamés foi quebrar preconceito e barreiras entre a música erudita e a popular no Brasil. Foi ele quem levou as cordas para a música popular e que inseriu música sinfônica no samba e outros gêneros. Era genial e rigoroso. Compunha de forma incansável, mesmo sabendo que algumas delas dificilmente seriam algum dia executadas.

Se pudesse, Radamés teria se dedicado muito mais à vertente erudita. Pelo menos, era essa a vontade que confessava, entre amigos. Mas o destino reservou-lhe outro caminho. Aos 6 anos iniciou seus estudos no piano, passando depois a dedicar-se ao violino, à viola e também ao violão e ao cavaquinho, atraído pelas modinhas da época.

Aos 9 anos, foi condecorado pelo cônsul italiano na Sociedade dos Italianos, por reger uma orquestra infantil. Mais tarde, ele relembraria o fato com o comentário: “Apareceu lá uma troupezinha, um teatro mambembe. Tinha um piano, um violino, uns cinco ou seis instrumentos. E eu fiz uns arranjozinhos, e dirigi a orquestra. Dirigi nada... palhaçada”.

Irrequieto e experimentador, Radamés integrou, na juventude, um bloquinho moderno de Carnaval com os amigos, chamado Os Exagerados, no qual tocava cavaquinho. Mais tarde, ingressou na orquestra do Cine Colombo – naquela época os filmes eram mudos e a música, executada ao vivo.

No começo dos anos 30, depois de idas e vindas ao Rio – onde tocou no quarteto Henrique Oswald, regeu um elogiado concerto no Teatro Municipal do Rio e integrou como violista uma companhia russa de ópera, por exemplo – Radamés definitivamente se instalou na capital fluminense. Estava casado e, para ganhar dinheiro, precisou dedicar-se mais à música popular.

Chegou a fazer concerto como pianista, sob regência de Francisco Braga, tocando Bach e Tchaikowski. Também tocou com Bidu Sayão em sua excursão pelo Brasil. Mas, como pegava mal músico erudito tocando popular, escondeu-se sob o pseudônimo Vero (que seria “masculino” de Vera, sua mulher) durante o tempo em que atuou como pianista das orquestras Típica Vicor, Diabos do Céu e Guarda Velha.

A grande guinada aconteceu em 1936, quando Radamés ingressou na Rádio Nacional, onde permaneceu como diretor por 30 anos. Em 1940, com a encampação da rádio pelo Estado Novo, a programação passou a ter forte caráter nacionalista. Foi aí que nasceu o programa Um Milhão de Melodias, que ficou 13 anos no ar, e a Orquestra Radamés Gnatalli. Entre os anos 40 e 50, ele e Pixinguinha eram os mais requisitados e, juntos, escreveram cerca de 40 mil arranjos, só para a Rádio Nacional.

Sua contribuição não ficou apenas na rádio. Radamés é autor de 48 trabalhos de trilha sonora para cinema, feitos no período de 1951 a 1976. Entre as produções, se destacam Ganga Bruta, de Humberto Mauro, e Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos. Quando o rádio entrou em decadência, Radar – como ficou conhecido na Rádio Nacional – foi para a Rede Globo, onde atuou por mais de dez anos.

Nos anos 70, o maestro deu novo fôlego ao choro brasileiro, ao abraçar o trabalho da Camerata Carioca, formada por jovens e talentosos músicos, como Henrique e Beto Cazes. Muita gente acabou bebendo na fonte de suas criações. Tom Jobim, por exemplo, era um “devoto” do maestro – a quem até dedicou um poema. E a lista abarca gente de territórios distintos, indo de Wagner Tiso a Rildo Hora, Paulinho da Viola a Hermínio Bello de Carvalho, contando com a admiração de Caetano Veloso.

A despeito de sua fama de ranzinza e de seu estilo lacônico de travar diálogos, Radamés era tido como extremamente generoso com os músicos. Ajudava, compunha, arranjava e dizem até que cedia partituras de criações suas sem guardar uma cópia para si. Radamés morreu após sofrer o segundo derrame cerebral e comenta-se até hoje que não gostava de homenagens, que a seu ver não eram mais do que falta de assunto na imprensa. Mas este centenário, a música e a história jamais deixariam passar em branco.




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