Política Titulo Irregularidade
Sama cria processo
de compra fajuto

Autarquia de Mauá comete falhas grotescas e lesa erário;
Nova Rochamar vence o certame do qual não participou

Mark Ribeiro
do Diário do Grande ABC
26/02/2012 | 07:00
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Uma bagunça administrativa que lesa o erário e compromete a qualidade dos serviços. Esta é a realidade organizacional da Sama (Saneamento Básico do Município de Mauá). Processo para a compra de concreto usinado, ao qual o Diário teve acesso com exclusividade, revela o descaso com o dinheiro público. Na documentação, repleta de falhas grotescas que indicam direcionamento, empresa que não participou do certame para fornecer o produto acabou executando o serviço.

O processo de compra 107/10 foi aberto em 30 de julho de 2010. Na época, o superintendente da Sama, Diniz Lopes (PR), estava afastado da função em virtude de sua campanha mal-sucedida para deputado estadual. Em seu lugar, deixou seu braço-direito Vladimilson Garcia, o Bodinho, diretor de manutenção e abastecimento.

O próprio Bodinho apresentou a cópia do processo na tentativa de se defender da acusação de José Vieira da Rocha (PMDB), dono da Rochamar Construções e procurador da Comercial Nova Rochamar, de que utilizou os 26,40 metros cúbicos de concreto na construção de sua casa. Os autos, resumidos a 14 folhas, possuem, ao menos, sete indícios de irregularidades.

Dos três orçamentos (Rochamar, Medmix e Alfa Real), o da empresa de Vieira venceu pelo menor valor: R$ 7.800,14. Mas a Sama firmou contrato com a Comercial Nova Rochamar, companhia distinta, com outro CNPJ.

Outras situações que indicam improbidade envolvem as firmas derrotadas. A data do orçamento da Alfa Real (R$ 7.867,20) é 14 de setembro de 2010, 39 dias após a Sama receber o concreto da Nova Rochamar. Já a Medmix (R$ 7.972,80) possui como razão social, discriminada no site da Junta Comercial de São Paulo, o comércio varejista de artigos de papelaria, locação de automóveis e aluguel de máquinas. As folhas com ambos os orçamentos foram rasuradas.

Montado - Para o especialista em Direito Público Ariosto Mila Peixoto, as falhas no processo constituem "elementos muito fortes de que o processo foi montado". "Supostamente, já sabiam quem iria ganhar e montaram de trás para frente. Há fortes indícios de que foi construído de forma direcionada."

O processo pode ser enquadrado como dano ao erário e violação ao princípio da competitividade, previstos na lei da Improbidade Administrativa. As penas vão de multa à perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos.

 

Bodinho admite erros, mas nega ter usado concreto em casa

Diretor da Sama e comandante da autarquia na época do processo 107/10, Vladimilson Garcia, o Bodinho, admite a existência de quatro erros nos autos, entre eles a não discriminação das áreas em que o concreto foi aplicado, mas nega que o material tenha sido utilizado na construção de sua casa, na Vila Assis, em Mauá - a obra foi executada em 2010.

Na solicitação de abertura do processo de compra pela autarquia, a justificativa para a aquisição dos 26,40 metros cúbicos de concreto se dá de forma genérica. Sem especificar locais, o documento observa "reparos em diversas áreas sem pavimentação de Mauá".

Bodinho reconhece a falta de clareza no item e a inexistência de ordem de serviço. Para ele, as falhas são corrigidas com fotos da Sama que mostram trechos das ruas das Azaléias, da Caçamba e Alvorada, logradouros que, segundo o diretor, teriam recebido o material para compactar redes da autarquia. A Rua da Alvorada destoa da justificativa do processo (diversas áreas sem pavimentação), já que é asfaltada.

Especialista em Direito Público, Ariosto Mila Peixoto garante que fotos não servem para comprovar a destinação do concreto. "O serviço contratado tem de obrigatoriamente constar no termo de recebimento, com especificações da execução. Fotografias podem complementar este documento, mas nunca substituí-lo."

Além das fotos, Bodinho apresentou declaração da Central Bombas Mix, empresa de São Bernardo que, segundo ele, enviou o material para sua casa. O termo foi elaborado quinta-feira, a pedido do diretor da Sama, que afirmou não possuir mais as notas fiscais do serviço. O documento lista o fornecimento de 33 metros cúbicos de concreto, a R$ 8.230.

Segundo a secretária da firma, Sandra Arruda, que assina o documento, os números são referentes a valores aproximados calculados junto ao pedreiro de Bodinho, já que a Bombas Mix, segundo ela, também não possui as notas fiscais.

O diretor da Sama reconhece como outras falhas do processo a contratação da Nova Rochamar no lugar da Rochamar Construções, alegando que "não tinha conhecimento (de que eram empresas distintas)", e a data do orçamento da Alfa Real. "Respondo por improbidade sem saber que estava errando, sem má-fé, mas não a cidadão que diz que mandou algo para minha casa e não mandou. Isso jamais."

Bodinho registrou boletim de ocorrência contra José Vieira da Rocha por, segundo ele, ter sofrido calúnia e difamação.

 

Alfa Real estranha a data do orçamento

Empresas derrotadas no processo de compra de 26,40 metros cúbicos de concreto pela Sama, Alfa Real e Medmix adotaram posturas distintas sobre as falhas apresentadas nos autos.

Na sede da primeira, em Ribeirão Pires, o diretor administrativo, Edivaldo Caleti, considerou "estranho" o fato de o orçamento da companhia possuir data (14 de setembro de 2010) posterior à conclusão do certame (o material foi recebido pela Sama em 6 de agosto). No entanto, afirmou não ser possível confirmar a veracidade do documento, já que arquivos foram perdidos na mudança de endereço da empresa, na época da concorrência situada na Vila Augusto, em Mauá.

Já a proprietária da Medmix, Dirce Dela Coleta, atestou a procedência do orçamento, datado de 15 de julho. Sobre sua empresa, localizada na Vila Guarani, possuir razão social no site da Junta Comercial incompatível com fornecimento de concreto, alegou que a página na internet está desatualizada e que o objeto foi alterado em cartório há dois anos, permitindo o fornecimento de materiais de construção.

Em nota, a Sama informou que "está averiguando o processo de compras citado para apurar se houve ou não irregularidade" e que "não acredita que neste ou em qualquer outro procedimento tenha ocorrido desvio de material ou serviço". "Após os levantamentos informaremos à imprensa e prestaremos todo e qualquer esclarecimento que seja solicitado pela Câmara ou Ministério Público", conclui o comunicado.

 

Diretor reconhece que rascunhou valor suspeito

Vladimilson Garcia, o Bodinho, reconhece sua autoria em letra que consta em rascunho entregue a José Vieira da Rocha antes da abertura do processo de compra de concreto usinado. No papel (veja fac-símile abaixo), obtido pelo Diário junto ao empreiteiro, consta o valor R$ 7.800, apenas 14 centavos abaixo do contrato firmado pela Sama com a Nova Rochamar posteriormente.

Em reportagem publicada pelo Diário domingo, Vieira alegou que o braço-direito de Diniz Lopes solicitou que a Nova Rochamar ficasse responsável por juntar, além do seu, outros dois orçamentos, com o cuidado de que a empresa da qual o peemedebista é procurador apresentasse o menor valor para vencer a concorrência.

Bodinho nega a acusação e diz que o rascunho foi formulado para explicar os trâmites processuais da compra a Vieira. "Essa letra é minha. É onde explico que todo processo de compra exige pelo menos três orçamentos. Mas não pedi para ele", argumenta. Bodinho, contudo, afirma não se lembrar dos motivos que o fizeram grafar a quantia. "Não me recordo, mas não é mesmo valor (pelo qual foi fechado o contrato)", esbravejou, reiteradamente.

Esquiva - Após a cópia, o diretor da Sama se comprometeu a apresentar ao Diário o processo original para a compra do concreto na sexta-feira. A reportagem, no entanto, foi proibida de entrar na Sama e informada de que Bodinho estava em serviços externos.

 

Meses antes, partes firmaram o primeiro contrato falsificado

Três meses antes de fecharem acordo pelo fornecimento de concreto usinado, Sama e Nova Rochamar firmaram outro contrato falsificado, mais amplo e com quantias mais elevadas. Em maio de 2010, a firma foi contratada emergencialmente pela autarquia por R$ 143,5 mil para fornecer pintor, pedreiro, ajudantes gerais e recepcionistas, no total de oito funcionários.

Conforme o publicado pelo Diário em 17 de outubro daquele ano, a empresa apresentou documentação falsa para participar do certame. Entre eles, dois atestados de capacidade técnica, com assinaturas fraudadas de representantes de empresas que desconheciam a Nova Rochamar.

O balanço contábil apresentado também foi incompatível. No documento falso entregue à Sama, a Nova Rochamar declarou, 24 dias após ser aberta, ativo circulante de R$ 720 mil, sendo R$ 456,4 mil em caixa. Após a realização de sindicância pela autarquia, a firma foi declarada inidônea, sendo suspensa de participar de licitações por dois anos.

Apoio eleitoral - As denúncias de José Vieira da Rocha contra Diniz Lopes seguiram no ano passado, quando o empreiteiro acusou o superintendente da autarquia e seu ex-aliado de ter falsificado doações para sua campanha a deputado estadual, em 2010. A Justiça Eleitoral contabiliza que a Rochamar Construções doou R$ 110 mil ao republicano, R$ 60 mil a mais do que o limite estabelecido com base na receita bruta da empresa no ano anterior - segundo Vieira, Diniz adulterou sua assinatura.

Em 2008, quando Diniz foi candidato a prefeito pelo PSDB, a Rochamar doou R$ 37,1 mil.




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