Estréia hoje, somente em São Paulo, Control, filme sobre o mitológico Ian Curtis, vocalista e compositor de uma das bandas mais cult dos anos 1970, a Joy Division.
Em Control, o estreante holandês Anton Corbijn, fotógrafo de origem, faz sua estréia no cinema. Escolhe uma magnífica fotografia em preto-e-branco para recriar o clima de Manchester City, onde nasceu a banda. Há também uma razão prática. Nos anos 1970, quando chegou à Inglaterra, Corbijn fizera várias tomadas em P&B do grupo. Esse fato contribui para a escolha monocromática do projeto.
Mas não se trata apenas disso. Quem a acompanhar verá que a vida de Ian Curtis parece mesmo pedir o preto-e-branco, com todas as nuances de cinza entre os dois extremos. É uma vida de artista maldito, que lembra a de um Rimbaud do rock. Ian (interpretado por Sam Riley) tem cara de anjo, mente complexa e personalidade dividida. Para completar o quadro, sofre de epilepsia. Tentando controlar a doença, o médico lhe recomenda distância de agitação, sexo demais, drogas e álcool. Não é coisa que se peça a um roqueiro, na casa dos 20 anos. Há mais: Ian é casado, mas acaba se envolvendo com uma insinuante jornalista belga, e esta passa a acompanhar o grupo em suas turnês.
Surpreendentemente, levando-se em conta o estilo de vida que se atribui a um artista pós-punk, Ian mostra-se incapaz de administrar um até que convencional triângulo amoroso. Esse é o aspecto pessoal.
Como artista, Ian sai bem mais do que valorizado. Mesmo quem pouco o conhece, ou não aprecia sua música, passa a entender parte do seu processo de criação, que envolvia uma visão um tanto desesperada do mundo e a recriação poética dessa sensação, que não raro dialogava com a grande arte.
Por exemplo, em certo momento, ele diz ter assistido a Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, e ficado impressionado com Marlon Brando recitando o seu horror, tirado de T.S. Eliot. Essa, a impressão do poeta pós-punk - a de um mundo em decomposição, uma terra devastada, na qual a palavra horror era a única ainda a fazer sentido.
O cenário, a esfumaçada Manchester, tem o clima de estranheza percorre os dois únicos LPs do grupo, Unknown Pleasures (Prazeres Desconhecidos) e Closer (Mais Perto). Seus sons e letras estranhas, uma espécie de lamento por uma civilização moribunda, fizeram com que a banda fosse cercada até hoje por uma relação de culto e mitologia.
Ian, caoticamente, ou de forma intuitiva, tocava em coisas que ele próprio talvez não compreendesse. E muito do que fez talvez não passasse de um humano pedido de socorro, como hoje seus colegas de banda parecem admitir.
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